São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2008

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Bush culpa petróleo pela inflação; Lula, a especulação

Cúpula das maiores economias esquenta debate sobre mudanças climáticas

"Não vou prometer para ninguém que a Amazônia será um santuário da humanidade", afirma presidente a jornalistas


Associated Press
O premiê do Japão, Yasuo Fukuda (à esq.), em encontro com Lula e o chanceler Celso Amorim (ambos do outro lado da mesa) na reunião do G8

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A HOKKAIDO

O presidente George Walker Bush reduziu a dupla crise de preços altos, a do petróleo e a dos alimentos, a um único fator que seria, em sua opinião, o responsável por ambas. "É culpa do petróleo", disse Bush a seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro na manhã de ontem (noite de terça-feira no Brasil), à margem da cúpula do G8, o clube dos sete países mais ricos e a Rússia, com o G5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México).
Lula não está inteiramente de acordo, mas acha "inconcebível o barril a US$ 145", conforme diria à tarde aos jornalistas brasileiros. Lembrou que 30% do aumento dos preços decorre dos custos da energia.
Em vez de apontar o dedo especialmente para o petróleo, Lula se queixa da especulação nos mercados futuros, com o que o "petróleo de papel", como é chamada essa aposta nos mercados financeiros, equivale ao volume de petróleo "que a China consome". Para o presidente, o dado torna pouco acurada a afirmação, comum até faz pouco, de que a alta de preços se devia ao fato de a China estar usando muito petróleo.
Lula cobrou até do FMI (Fundo Monetário Internacional) "uma explicação sobre a especulação nas Bolsas com petróleo e alimentos".
Pela manhã, durante a reunião das MEs (Maiores Economias, grupo que reúne o G8, o G5 mais Austrália, Coréia do Sul e Indonésia), o presidente do México, Felipe Calderón, já havia pedido: "É urgente revisar os mecanismos financeiros que estão permitindo uma especulação tão danosa para a economia dos mais pobres".
Já na conversa com Lula, Calderón queixou-se da difícil situação a que o México está sendo empurrado pela combinação entre a desaceleração nos Estados Unidos, seu grande mercado, e a disparada de preços de alimentos.
As afirmações de Bush, Lula e Calderón indicam que está longe de haver um consenso sobre as causas da disparada de preços de alimentos e petróleo, os dois fantasmas da economia.
Na falta dele, nem o G8 nem o G5, nos comunicados finais de suas respectivas cúpulas, ofereceram respostas para a crise. Mas, no debate da manhã de ontem, o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, saiu em socorro dos países em desenvolvimento, ao lembrar que China, Índia e Brasil haviam conseguido retirar milhões de pessoas da pobreza. "Essas pessoas agora estão comendo e não é justo pedir para esses países os mesmos sacrifícios que os países desenvolvidos têm que fazer", completou.
As divergências de opinião entre o clube dos ricos e o dos grandes emergentes surgiram também no outro ponto quente da agenda das cúpulas, a mudança climática.

No bolso do paletó
Lula, no encontro das MEs, puxou do bolso uma tabela com o volume de emissões de CO2 (gás carbônico) de cada país relevante, conforme levantamento de um instituto de energia norte-americano. Os Estados Unidos são, previsivelmente, os maiores emissores, seguidos de China, Rússia e Japão (21%, 18%, 6% e 4%, respectivamente). O Brasil fica com um magro 1,28%.
A tabela agitou o debate. O presidente francês Nicolas Sarkozy quis saber a posição da França e, ao ser informado, comentou que a África do Sul não ficava bem colocada (seu presidente, Thabo Mbeki, e Sarkozy ladeavam Lula no debate).
Mas Sarkozy comprou a posição do G5. Disse que "não dá para pedir que os países em desenvolvimento deixem de se desenvolver" (para poder conter as emissões poluentes).
Mas a tabela de Lula mostra também que dois dos membros do G5 (China e Índia) emitem, juntos, mais que o recordista Estados Unidos (22% contra 21%). Dá sentido, portanto, à frase de Bush no domingo, segundo a qual sem atrair China e Índia para um acordo ambicioso de preservação ambiental, o problema não será resolvido.
Lula, no entanto, acha que os países ricos têm que ser responsabilizados pelo que já fizeram em matéria de devastação. "Os países em desenvolvimento não podem parar de crescer.Quem tem que pagar a conta é quem já emitiu muito CO2."
Da agitação, nasceu a proposta de que, para a nova reunião das maiores economias, em 2009, seja apresentada o que Lula chamou de "base numérica real" para orientar a discussão sobre mudança climática. O grupo batizado de MEs nasceu por iniciativa de Bush, no ano passado, e seus 16 membros respondem por 80% das emissões dos gases que causam o aquecimento global.
O presidente soltou, na entrevista aos jornalistas, uma frase que certamente causará tremores nos ambientalistas: "Não vou prometer para ninguém que a Amazônia será um santuário da humanidade".
Lula está apenas expressando sua convicção de que é possível combinar a preservação ambiental com "um manejo correto das riquezas da Amazônia". Mas é difícil convencer as entidades que cuidam do ambiente de que esse equilíbrio é realmente possível.


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