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Bush culpa petróleo pela inflação; Lula, a especulação
Cúpula das maiores economias esquenta debate sobre mudanças climáticas
"Não vou prometer para ninguém que a Amazônia será um santuário da humanidade", afirma presidente a jornalistas
Associated Press
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O premiê do Japão, Yasuo Fukuda (à esq.), em encontro com Lula e o chanceler Celso Amorim (ambos do outro lado da mesa) na reunião do G8
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A HOKKAIDO
O presidente George Walker
Bush reduziu a dupla crise de
preços altos, a do petróleo e a
dos alimentos, a um único fator
que seria, em sua opinião, o responsável por ambas. "É culpa
do petróleo", disse Bush a seu
colega brasileiro Luiz Inácio
Lula da Silva, em encontro na
manhã de ontem (noite de terça-feira no Brasil), à margem da
cúpula do G8, o clube dos sete
países mais ricos e a Rússia,
com o G5 (Brasil, China, Índia,
África do Sul e México).
Lula não está inteiramente
de acordo, mas acha "inconcebível o barril a US$ 145", conforme diria à tarde aos jornalistas brasileiros. Lembrou que
30% do aumento dos preços
decorre dos custos da energia.
Em vez de apontar o dedo especialmente para o petróleo,
Lula se queixa da especulação
nos mercados futuros, com o
que o "petróleo de papel", como
é chamada essa aposta nos
mercados financeiros, equivale
ao volume de petróleo "que a
China consome". Para o presidente, o dado torna pouco acurada a afirmação, comum até
faz pouco, de que a alta de preços se devia ao fato de a China
estar usando muito petróleo.
Lula cobrou até do FMI
(Fundo Monetário Internacional) "uma explicação sobre a
especulação nas Bolsas com petróleo e alimentos".
Pela manhã, durante a reunião das MEs (Maiores Economias, grupo que reúne o G8, o
G5 mais Austrália, Coréia do
Sul e Indonésia), o presidente
do México, Felipe Calderón, já
havia pedido: "É urgente revisar os mecanismos financeiros
que estão permitindo uma especulação tão danosa para a
economia dos mais pobres".
Já na conversa com Lula,
Calderón queixou-se da difícil
situação a que o México está
sendo empurrado pela combinação entre a desaceleração
nos Estados Unidos, seu grande
mercado, e a disparada de preços de alimentos.
As afirmações de Bush, Lula
e Calderón indicam que está
longe de haver um consenso sobre as causas da disparada de
preços de alimentos e petróleo,
os dois fantasmas da economia.
Na falta dele, nem o G8 nem o
G5, nos comunicados finais de
suas respectivas cúpulas, ofereceram respostas para a crise.
Mas, no debate da manhã de
ontem, o primeiro-ministro da
Austrália, Kevin Rudd, saiu em
socorro dos países em desenvolvimento, ao lembrar que
China, Índia e Brasil haviam
conseguido retirar milhões de
pessoas da pobreza. "Essas pessoas agora estão comendo e não
é justo pedir para esses países
os mesmos sacrifícios que os
países desenvolvidos têm que
fazer", completou.
As divergências de opinião
entre o clube dos ricos e o dos
grandes emergentes surgiram
também no outro ponto quente
da agenda das cúpulas, a mudança climática.
No bolso do paletó
Lula, no encontro das MEs,
puxou do bolso uma tabela com
o volume de emissões de CO2
(gás carbônico) de cada país relevante, conforme levantamento de um instituto de energia norte-americano. Os Estados Unidos são, previsivelmente, os maiores emissores, seguidos de China, Rússia e Japão
(21%, 18%, 6% e 4%, respectivamente). O Brasil fica com um
magro 1,28%.
A tabela agitou o debate. O
presidente francês Nicolas Sarkozy quis saber a posição da
França e, ao ser informado, comentou que a África do Sul não
ficava bem colocada (seu presidente, Thabo Mbeki, e Sarkozy
ladeavam Lula no debate).
Mas Sarkozy comprou a posição do G5. Disse que "não dá
para pedir que os países em desenvolvimento deixem de se
desenvolver" (para poder conter as emissões poluentes).
Mas a tabela de Lula mostra
também que dois dos membros
do G5 (China e Índia) emitem,
juntos, mais que o recordista
Estados Unidos (22% contra
21%). Dá sentido, portanto, à
frase de Bush no domingo, segundo a qual sem atrair China e
Índia para um acordo ambicioso de preservação ambiental, o
problema não será resolvido.
Lula, no entanto, acha que os
países ricos têm que ser responsabilizados pelo que já fizeram em matéria de devastação.
"Os países em desenvolvimento não podem parar de crescer.Quem tem que pagar a conta é quem já emitiu muito CO2."
Da agitação, nasceu a proposta de que, para a nova reunião das maiores economias,
em 2009, seja apresentada o
que Lula chamou de "base numérica real" para orientar a
discussão sobre mudança climática. O grupo batizado de
MEs nasceu por iniciativa de
Bush, no ano passado, e seus 16
membros respondem por 80%
das emissões dos gases que
causam o aquecimento global.
O presidente soltou, na entrevista aos jornalistas, uma
frase que certamente causará
tremores nos ambientalistas:
"Não vou prometer para ninguém que a Amazônia será um
santuário da humanidade".
Lula está apenas expressando sua convicção de que é possível combinar a preservação
ambiental com "um manejo
correto das riquezas da Amazônia". Mas é difícil convencer as
entidades que cuidam do ambiente de que esse equilíbrio é
realmente possível.
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