São Paulo, sexta-feira, 10 de agosto de 2007

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ANÁLISE

Ação do BC europeu surpreende mercado

KRISHNA GUHA
RICHARD MILNE
DO "FINANCIAL TIMES"

O BANCO Central Europeu (BCE) surpreendeu os mercados ontem com uma agressiva intervenção cujo objetivo era pôr fim à crise de liquidez que começava a borbulhar nos mercados da Europa. A ação do BCE excedeu consideravelmente em escala e escopo as medidas relativamente modestas anunciadas pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), com o objetivo de sustentar a liquidez nos mercados americanos.
Depois de apontar para uma elevação acentuada nas taxas do overnight (usadas para operações de um dia em empréstimos interbancários), para 4,7% -bem acima de sua meta de 4%-, o BCE divulgou um comunicado pela manhã declarando que estava "pronto para garantir a ordem no mercado monetário do euro".
Em pouco menos de duas horas, a instituição começou a agir, com a oferta, sem precedentes, de um volume ilimitado de recursos, que permitiria aos bancos europeus obter todo o dinheiro de que necessitassem.
A última vez que o BCE interferiu no mercado com uma injeção de liquidez em larga escala foi depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro. Mas naquela ocasião o auxílio oferecido não foi ilimitado.
Igualmente notável foi o montante que os 49 bancos que aceitaram a oferta do BCE receberam, 94,8 bilhões (US$ 130 bilhões). O total superou em muito os 69 bilhões que os bancos receberam em 12 de setembro de 2001 e os 40 bilhões do dia seguinte. Já o Fed, que também viu as taxas de overnight subirem acima de 5,75%, ante sua meta de 5,25%, tomou medidas menos drásticas para sustentar a liquidez.
O Fed de Nova York adiantou em alguns minutos a abertura de suas operações diárias de open market, injetando US$ 24 bilhões no mercado de overnight e de títulos de 14 dias, no pregão matutino.
A escala da ação americana -cerca de duas vezes superior à média diária- foi incomum. Mas ela não sugere que o Fed tenha adotado uma posição de força total contra a crise, mas que acredita que os mercados americanos continuam funcionando adequadamente -ainda que precisem de algum apoio adicional de liquidez- e não estão em perigo de paralisia. Martin Barnes, editor do boletim econômico "Bank Credit
Analyst", viu na atitude dos dois bancos "uma verdadeira reversão de papéis".
A queda de liquidez na Europa, que causou a ação do BCE, tinha por base os temores quanto a títulos de crédito imobiliário de alto risco (ou "subprime") americanos em mãos de investidores europeus. Além disso, tradicionalmente o Fed age muito mais rápido para socorrer o mercado, enquanto os banqueiros centrais europeus costumam manter distância, preocupados com a possibilidade de gerar "risco moral".
Desta vez, porém, o BCE agiu para injetar liquidez ilimitada nos mercados apenas dois dias depois que o Fed decidiu que manteria a inflação como foco, na reunião de agosto de seu comitê de política monetária.
A natureza excepcional da ação do BCE se deve em parte à maneira pela qual a instituição interage com os mercados financeiros. Diferentemente do Fed, o banco europeu não injeta liquidez a cada dia, mas em lugar disso conduz ocasionalmente operações que designa como "sintonia fina", com o objetivo de regular a liquidez -e ações do tipo não estavam programadas em curto prazo. Muitos analistas aplaudiram o BCE por sua ação decisiva.
Erik Nielsen, economista do Goldman Sachs, disse que "a decisão demonstrou a qualidade do BCE como banco central e deve reconfortar o mercado consideravelmente".
Bruce Kasman, economista do JPMorgan, disse que a medida envia dois sinais: primeiro, o de que o BCE "está pronto para injetar liquidez para garantir a operação suave dos mercados europeus"; e, segundo, o de que está feliz em fazê-lo à sua taxa de juros vigente.
Mas alguns dirigentes de bancos centrais demonstraram preocupação com a possibilidade de que a decisão do BCE possa causar apreensão maior que a necessária.
"As condições agregadas de liquidez são normais, mesmo que exista alguma turbulência.
Mas existe o risco de que os bancos talvez não precisassem desse volume de liquidez e que o mercado venha a ler, na decisão, algo que não deveria ler", disse um funcionário do BCE. Os analistas estavam debatendo se a decisão do BCE indicava a existência de problemas mais sérios, e ainda desconhecidos para o público, no sistema financeiro europeu.
Enquanto isso, ainda não se pode decidir se o Fed foi sábio ao adotar uma postura mais otimista, mantendo seus recursos em reserva para uso em uma verdadeira crise de liquidez ou se a instituição em breve se verá forçada a uma vergonhosa reversão de rumo.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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