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ANÁLISE
Ação do BC europeu surpreende mercado
KRISHNA GUHA
RICHARD MILNE
DO "FINANCIAL TIMES"
O BANCO Central Europeu (BCE) surpreendeu os mercados ontem com uma agressiva intervenção cujo objetivo era pôr
fim à crise de liquidez que começava a borbulhar nos mercados da Europa.
A ação do BCE excedeu consideravelmente em escala e escopo as medidas relativamente
modestas anunciadas pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos
EUA), com o objetivo de sustentar a liquidez nos mercados
americanos.
Depois de apontar para uma
elevação acentuada nas taxas
do overnight (usadas para operações de um dia em empréstimos interbancários), para 4,7%
-bem acima de sua meta de
4%-, o BCE divulgou um comunicado pela manhã declarando que estava "pronto para
garantir a ordem no mercado
monetário do euro".
Em pouco menos de duas horas, a instituição começou a
agir, com a oferta, sem precedentes, de um volume ilimitado
de recursos, que permitiria aos
bancos europeus obter todo o
dinheiro de que necessitassem.
A última vez que o BCE interferiu no mercado com uma injeção de liquidez em larga escala foi depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro. Mas
naquela ocasião o auxílio oferecido não foi ilimitado.
Igualmente notável foi o
montante que os 49 bancos que
aceitaram a oferta do BCE receberam, 94,8 bilhões (US$
130 bilhões). O total superou
em muito os 69 bilhões que
os bancos receberam em 12 de
setembro de 2001 e os 40 bilhões do dia seguinte. Já o Fed,
que também viu as taxas de
overnight subirem acima de
5,75%, ante sua meta de 5,25%,
tomou medidas menos drásticas para sustentar a liquidez.
O Fed de Nova York adiantou em alguns minutos a abertura de suas operações diárias
de open market, injetando US$
24 bilhões no mercado de overnight e de títulos de 14 dias, no
pregão matutino.
A escala da ação americana
-cerca de duas vezes superior
à média diária- foi incomum.
Mas ela não sugere que o Fed
tenha adotado uma posição de
força total contra a crise, mas
que acredita que os mercados
americanos continuam funcionando adequadamente -ainda
que precisem de algum apoio
adicional de liquidez- e não
estão em perigo de paralisia.
Martin Barnes, editor do boletim econômico "Bank Credit
Analyst", viu na atitude dos
dois bancos "uma verdadeira
reversão de papéis".
A queda de liquidez na Europa, que causou a ação do BCE,
tinha por base os temores
quanto a títulos de crédito imobiliário de alto risco (ou "subprime") americanos em mãos
de investidores europeus.
Além disso, tradicionalmente o
Fed age muito mais rápido para socorrer o mercado, enquanto os banqueiros centrais europeus costumam manter distância, preocupados com a possibilidade de gerar "risco moral".
Desta vez, porém, o BCE agiu
para injetar liquidez ilimitada
nos mercados apenas dois dias
depois que o Fed decidiu que
manteria a inflação como foco,
na reunião de agosto de seu comitê de política monetária.
A natureza excepcional da
ação do BCE se deve em parte à
maneira pela qual a instituição
interage com os mercados financeiros. Diferentemente do
Fed, o banco europeu não injeta liquidez a cada dia, mas em
lugar disso conduz ocasionalmente operações que designa
como "sintonia fina", com o objetivo de regular a liquidez -e
ações do tipo não estavam programadas em curto prazo.
Muitos analistas aplaudiram
o BCE por sua ação decisiva.
Erik Nielsen, economista do
Goldman Sachs, disse que "a
decisão demonstrou a qualidade do BCE como banco central
e deve reconfortar o mercado
consideravelmente".
Bruce Kasman, economista
do JPMorgan, disse que a medida envia dois sinais: primeiro, o de que o BCE "está pronto
para injetar liquidez para garantir a operação suave dos
mercados europeus"; e, segundo, o de que está feliz em fazê-lo à sua taxa de juros vigente.
Mas alguns dirigentes de
bancos centrais demonstraram
preocupação com a possibilidade de que a decisão do BCE
possa causar apreensão maior
que a necessária.
"As condições agregadas de
liquidez são normais, mesmo
que exista alguma turbulência.
Mas existe o risco de que os
bancos talvez não precisassem
desse volume de liquidez e que
o mercado venha a ler, na decisão, algo que não deveria ler",
disse um funcionário do BCE.
Os analistas estavam debatendo se a decisão do BCE indicava a existência de problemas
mais sérios, e ainda desconhecidos para o público, no sistema financeiro europeu.
Enquanto isso, ainda não se
pode decidir se o Fed foi sábio
ao adotar uma postura mais
otimista, mantendo seus recursos em reserva para uso em
uma verdadeira crise de liquidez ou se a instituição em breve
se verá forçada a uma vergonhosa reversão de rumo.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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