São Paulo, sexta-feira, 10 de agosto de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A inflação e os menos favorecidos

Inflação baixa e estável é um dos componentes mais importantes de uma ação social de qualquer governo

GOSTARIA de dividir com meu leitor da Folha uma análise sobre o poder de compra do salário mínimo realizada pela equipe de economistas da Quest. Desde os anos 60, podemos observar de maneira clara a relação entre o binômio crise cambial/inflação e o poder de compra dos brasileiros de menor renda.
Trabalhamos com cinco períodos de nossa historia recente, divididos em função da política econômica dos vários governos que se sucederam, e usamos o INPC como deflator. O primeiro momento corresponde aos três anos do primeiro governo militar e a uma política de ajuste macroeconômico bastante dura. Entre 1964 e 1967, o salário mínimo real -a preços de junho de 2007- caiu cerca de 20%. A partir de 1969, nos governos Costa e Silva e Médici, o salário mínimo estabilizou-se próximo a R$ 320, nível que prevaleceu até a crise externa de 1982/1983.
Com a crise mexicana de 1982, o então ministro Delfim Netto realiza um ajuste clássico de balanço de pagamentos, postergado desde 1974, no governo Geisel. Com o presidente Sarney, esse foco no fortalecimento da situação externa é abandonado, o que nos leva novamente a um período de moeda frágil e aceleração da inflação. O resultado final foi uma queda próxima a 50% no valor do salário mínimo no período 1982-1990. Chegamos, então, ao fundo do poço.
Somente a partir do Plano Real, de 1994, tem início um período de quase 13 anos de recuperação continuada do poder aquisitivo do salário mínimo. O que muda ao longo desse período é apenas a INTENSIDADE da recuperação. Entre 1994 e 1998, primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o salário mínimo real cresceu cerca de 25%. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o crescimento do salário mínimo foi próximo a 15%, refletindo o choque inflacionário que se seguiu à correção da taxa de câmbio em 1999 e à crise financeira da segunda metade de 2002, essa decorrente da desconfiança dos mercados em relação ao candidato Lula e seu discurso econômico de varias décadas.
No primeiro mandato de Lula, depois que o presidente decidiu manter a política econômica de seu antecessor, o salário mínimo real cresceu quase 30%, ritmo próximo ao do primeiro período FHC. Nestes primeiros meses do segundo mandato, o aumento real do salário mínimo foi de 5%, sendo que parece estar havendo um arrefecimento em seu ritmo de crescimento.
Esse movimento está relacionado ao fim da desinflação dos três anos anteriores a 2007 e à recente aceleração da inflação de alimentos.
O comportamento do valor real do salário mínimo nesse longo e conturbado período de nossa história econômica é uma fonte riquíssima para o analista da economia brasileira. Em primeiro lugar, a estreita relação entre inflação e poder aquisitivo dos brasileiros de mais baixa renda é inquestionável.
Logo, a manutenção da inflação baixa e estável é um dos componentes mais importantes de uma ação social de qualquer governo.
O outro ensinamento, menos claro para o leigo em economia, é que a solidez do setor externo e a baixa volatilidade da taxa de câmbio são condições necessárias para o contínuo crescimento do poder de compra do brasileiro. Portanto uma política econômica de qualidade deve ter como objetivo essencial a implementação de reformas que favoreçam a competitividade da economia.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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