São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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JIM O'NEILL

"Descolamento" e os mercados


Se as economias mundiais estão se "descolando", por que o mesmo não acontece aos mercados?

EM MEIO a todo o pessimismo que continua a consumir os mercados, é interessante revisitar a questão do "descolamento".
Nós, no Goldman Sachs, somos culpados de popularizar os conceitos de "descolamento" e de "reacoplamento". Inicialmente, advogamos a idéia de que tanto o resto da economia como os mercados mundiais estavam se "descolando" dos EUA. Depois, no final de 2007, passamos a considerar a perspectiva de um "reacoplamento", com base no fato de que algumas partes do mundo agora encontrariam dificuldade para ignorar a desaceleração nos EUA, mas também no fato de que outros mercados de ações estavam apresentando avaliações muito menos atraentes se comparadas às dos papéis norte-americanos.
Em que ponto estão as coisas?
Evidentemente, todo o conceito de "descolamento" ou "reacoplamento" precisa ser colocado no devido contexto. Dado o fato de que os EUA continuam a ser a maior economia global, com 30% do PIB, a idéia de que o restante do mundo seja capaz de se imunizar contra os desdobramentos econômicos que surgem no país precisa ser tratada com certa cautela. Em certa medida, isso talvez seja o motivo para que tantos mercados de ações em todo o mundo tenham apresentado desempenho significativamente inferior aos norte-americanos ao longo de 2008, com muitos dos mercados desenvolvidos e agora alguns grandes mercados emergentes se provando bastante mais fracos.
Assim, o que exatamente está acontecendo? Talvez apenas uma confusão quanto ao quadro. Se observarmos os mais recentes relatórios, as previsões quanto ao PIB mundial para 2008 mal oscilaram. A expectativa quanto ao crescimento mundial continua a ser de perto de 4% neste ano. Para 2009, as projeções de consenso, de 3,9%, parecem boas sob os padrões históricos.
O motivo central para que o mundo ainda esteja se saindo bem é a China. Embora o crescimento no PIB do segundo trimestre tenha sido inferior ao de trimestres anteriores, estimado em 10,1% anuais, boa parte do abrandamento se deve a uma queda no crescimento das exportações. O mais importante é que o consumo na China parece estar demonstrando poucos sinais de desaceleração. Isso significa que o consumo no país está claramente "descolado" dos EUA. Os gastos dos chineses no varejo hoje contribuem mais para a demanda mundial que os dos norte-americanos. Se acrescentamos os demais países do Bric (Brasil, Rússia, Índia, China), o impacto se torna ainda mais forte.
Assim, se as economias mundiais estão se "descolando", por que o mesmo não acontece aos mercados? Primeiro, muitos dos participantes do mercado simplesmente não acreditam que economias possam se "descolar" da americana. Tendo isso em vista, os mercados se tornaram altamente sensíveis a novos sinais de que a inflação esteja subindo ainda mais nos países emergentes, já que isso poderia forçar um aperto das políticas monetárias locais em grau suficiente para sufocar o crescimento.
Segundo, os participantes do mercado agora temem que o próximo passo do Fed terá de ser elevar os juros, o que virtualmente garantiria que a economia norte-americana enfrente um período de alguns anos de demanda fraca, o que, além disso, significaria que o desafio aos "desacopladores" seria persistente.
Há uma clara situação na qual a economia e os mercados chegaram à mesma conclusão: o Reino Unido.
As previsões de consenso quanto ao país foram reduzidas por margem maior do que para qualquer outro país do G7, e os mercados de ações britânicos também apresentam desempenho insuficiente. Não seria hora de os mercados de câmbio perceberem? É improvável que a libra mantenha sua cotação próxima a US$ 2 por muito mais tempo.


JIM O'NEILL é economista chefe do Goldman Sachs. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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