|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Ao invés de aperto, crise pede mais gasto
SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"
"Existem hoje muitas pessoas que desejam o bem de seus
países e acreditam que a coisa
mais útil que elas e seus vizinhos poderiam fazer para consertar a situação seria poupar
mais do que costumam... Em
determinadas circunstâncias,
isso estaria perfeitamente certo, mas nas circunstâncias que
vivemos é um erro. Suponham
que todos nós deixássemos de
gastar nossas rendas e decidíssemos poupá-las por inteiro.
O resultado é que todo mundo perderia o emprego. E não
demoraria para que não restasse renda a gastar... Agora é hora
de os governos locais se ocuparem de toda espécie de melhora
sensata... Li alguns dias atrás
sobre uma proposta para construir uma nova via, um bulevar
largo, paralelo ao Strand, do lado sul do rio Tâmisa, unindo
Westminster à City... Mas eu
gostaria de fazer algo ainda
maior. Por exemplo, por que
não derrubar todo o sul de Londres, de Westminster a Greenwich, e caprichar no trabalho?
Ao mesmo tempo, forneceríamos centenas de hectares de
praças e avenidas, parques e espaços públicos... Seria melhor
ver as pessoas ociosas e miseráveis, vivendo de salário-desemprego?" (De uma palestra de rádio proferida por John Maynard Keynes em 14 de janeiro
de 1931, publicada em "Essays
in Persuasion".)
Por que a quebra dos bancos
e das instituições financeiras a
eles associadas representa uma
ameaça maior do que seria a
quebra de outras grandes empresas, como a Ford ou a General Motors? Existem dois motivos principais.
Primeiro, essas instituições
oferecem o grosso da base monetária. A disposição de indivíduos e empresas a consumir
depende de muitas coisas
-renda e ativos de todos os tipos, financeiros e reais. Mas
suas posições em dinheiro representam a primeira linha de
defesa.
Caso a validade delas esteja
em dúvida, as pessoas se sentem não apenas mais pobres
como também ansiosas e desorientadas. Em tempos normais,
elas sabem vagamente que os
bancos não têm em seus caixas
dinheiro suficiente para atender a um saque em massa de
parte de seus depositantes, mas
esse é o tipo de informação que
encontra uso apenas em testes
de conhecimento geral.
No entanto é uma informação que ganha imensa importância quando as manchetes
estão repletas de bancos em
crise, e pessoas muito sérias
imaginam, não completamente
como piada, se "debaixo do colchão" não seria um lugar melhor para guardar a poupança
de recurso imediato.
O segundo é que seria possível imaginar um sistema sob o
qual os poupadores emprestariam diretamente apenas recursos de curto prazo, a empresas e outras pessoas. Mas na
verdade não é isso que acontece. Os poupadores depositam
nos bancos fundos que podem
ser sacados rapidamente. Estes
na verdade criam o dinheiro
que emprestam a terceiros.
Em tempos normais, o processo funciona por meio de um
equilíbrio entre forças de mercado e a política do banco central. Mas quando os bancos têm
medo de emprestar, os tempos
não são normais, e corremos o
risco não só de recessão mas de
depressão.
O primeiro problema é mais
fácil de enfrentar que o segundo. Os irlandeses abriram o caminho ao garantir todos os depósitos bancários do país, como
já o tinham feito ao rejeitar o
completamente inútil Tratado
de Lisboa. O programa britânico de 400 bilhões de libras
(US$ 690 bilhões) anunciado
nesta semana oferece virtualmente a mesma garantia.
Mas por que apenas "virtualmente"?
Quanto ao segundo problema, existem muitas abordagens, entre as quais as participações do Estado no capital de
bancos britânicos anunciadas
nesta semana e, se necessário,
estatização completa.
Também existe toda espécie
de precedente, do New Deal a
Mussolini, quanto a agências
estatais que concederiam empréstimos ou adquiririam companhias financeiras sólidas para ajudá-las a superar suas dificuldades temporárias. Essas
agências persistiram por tempo demais e retiveram seus ativos corporativos por tempo demais. Qualquer instrumento
humano pode sofrer abuso.
Já existem alertas de que esse tipo de solução servirá para
alargar os déficits orçamentários e a dívida. Que seja. Máximas sobre dívidas que podem
representar uma orientação
prudente no caso de uma família também podem ser o auge
da insensatez para um governo.
Keynes, na citação acima, estava falando no início da Grande Depressão. Mas será que não
podemos agir de maneira preventiva? Compreendo que as
pessoas considerem psicologicamente difícil aceitar uma crise que pede por mais gastos, em
lugar de um aperto nos cintos.
Tivemos situação semelhante, em menor escala, nos Estados Unidos, quando o presidente John Kennedy disse "pergunte o que você pode fazer pelo seu país", e enfrentou dificuldades para conseguir a aprovação do Congresso a um pacote
de corte de impostos.
Keynes x Friedman
Permitam-me encerrar em
nota pessoal. Alguns amigos e
colegas me perguntaram se não
sou culpado de tentar destronar Keynes e substituí-lo por
Friedman. Não é o caso.
Quanto a muitas questões
cruciais, esses dois pensadores
estiveram juntos contra o rebanho financeiro. O mais importante é que quando os "keynesianos" britânicos tentaram
usar a política fiscal e monetária sem considerar a inflação, e
depois tentaram curar os problemas que causaram fazendo
dos sindicatos agentes de controle de salários e das empresas
agentes de controle de lucros,
eu me separei deles.
Recentemente expressei
apoio ao Banco da Inglaterra
em sua aversão a cortar juros,
contra meus instintos, quando
estávamos diante de inflação
crescente causada pelos preços
da energia e das commodities.
Estes caíram de maneira
acentuada por influência das
forças recessivas em ação no
mundo, e não podemos esperar, agora, pelo lento processo
sob o qual essas forças se fariam exercer nos índices de
preços ao consumidor.
O corte de juros de 0,5% que
o Banco da Inglaterra adotou
em operação internacional
coordenada precisa ser o primeiro de muitos, e eles devem
vir rapidamente. É provável
que seja necessário suplementá-los com pacote de estímulo
fiscal.
A maioria das objeções
acadêmicas a isso seriam superadas por um corte temporário
e indireto de impostos que o
ministro das Finanças britânico pode impor a qualquer momento usando seus poderes de
regulamentação.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Plano "socialista" britânico pode salvar o capitalismo Próximo Texto: Entrevista: "Poderemos ter uma depressão global" Índice
|