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Cúpula das Américas
- um Post-Mortem
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
"Post-mortem "? Exagero,
talvez. Mas a Quarta Cúpula das Américas, realizada há
poucos dias em Mar del Plata,
aponta para o esgotamento do
processo iniciado em 1994, com a
Primeira Cúpula, em Miami. Na
época, o então presidente dos
EUA, Bill Clinton, liderou o lançamento da Área de Livre Comércio
das Américas (Alca).
Transcorridos mais de dez anos,
depois de um sem-número de
reuniões e negociações, a Alca
não saiu do papel. Cresce a impressão de que tudo isso é uma
forma cara e perigosa de perder
tempo. Cara porque todo esse
processo envolve gastos expressivos com reuniões, viagens, estudos, contratação de equipes técnicas e mobilização de recursos humanos dos governos e do setor
privado. Perigosa porque sempre
há o risco de que os nossos países
sejam pressionados a aceitar a
agenda desequilibrada e cerceadora da autonomia nacional que
os EUA insistem em aplicar nas
suas negociações comerciais com
os demais países do Hemisfério.
Vários já caíram nessa armadilha.
Reservo-me o direito, leitor, de
fazer as afirmações (polêmicas,
reconheço) do parágrafo anterior
sem desenvolvê-las hoje. Já escrevi muito sobre o assunto (talvez
demais) em trabalhos acadêmicos
e artigos de jornal. Remeto os interessados aos dois capítulos finais do livro citado no pé biográfico da coluna.
A Alca foi o tema mais polêmico
em Mar del Plata. Os 34 países
americanos participantes (todos
exceto Cuba), representados por
seus chefes de Estado e de governo, terminaram concordando em
discordar...
A Declaração da Cúpula justapôs duas posições divergentes
-sem identificar que países
apóiam que parágrafos. Sabe-se,
entretanto, que a contraposição
se deu entre o Mercosul e a Venezuela, de um lado, e os EUA e demais países, de outro. O grupo liderado por Washington quer retomar as negociações da Alca no
primeiro semestre de 2006. Já a
Venezuela e o Mercosul entendem que não estão presentes as
condições para um acordo equilibrado e eqüitativo. O presidente
venezuelano, Hugo Chávez, foi
mais longe e declarou que Mar del
Plata seria o túmulo da Alca.
A Alca não morreu, mas está
correndo certo risco de vida. Com
seu desaparecimento, as próprias
Cúpulas das Américas perderiam
muito do seu sentido.
O que aconteceu, afinal? Por
que o ambicioso projeto de integração concebido pelos EUA está
ameaçando naufragar?
São vários os motivos. Primeiro,
a Alca representa o aprofundamento das políticas de liberalização, desregulamentação e desnacionalização patrocinadas por
Washington desde o final dos
anos 80. Ora, em muitos países da
região, o que se viu foi o fracasso
dos governos apoiados pelos
EUA. Aumentou a desconfiança
quanto à sabedoria das recomendações dos norte-americanos e de
seus numerosos asseclas locais.
O segundo motivo é que mesmo
nos EUA não há consenso quanto
à Alca e à liberalização comercial.
São muito poderosos os lobbies
que lutam por proteção contra a
concorrência estrangeira. Isso
sempre existiu, mas vem se tornando mais explícito nos anos recentes. O resultado é que as ofertas americanas de "livre comércio" estão repletas de ressalvas e
exceções. Essas exceções incluem
todos ou quase todos os produtos
e temas prioritários para países
como o Brasil.
Finalmente, não podemos esquecer a inestimável contribuição
do companheiro Bush. Graças a
seu unilateralismo primário, o
prestígio dos EUA vem decaindo
em todo o mundo e até mesmo na
América Latina, região em que a
influência de Washington sempre
foi muito grande. No tempo de
Clinton, os EUA se valiam de uma
combinação habilidosa de "hard"
e "soft power", ou seja, força militar bruta associada a persuasão,
sedução, diplomacia, sutileza e hipocrisia.
Bem. A "soft power" escapa do
radar do companheiro Bush. Ele
prefere usar a "hard power" -e
mal. Criou-se assim um ambiente
propício para desarticular ou pelo
menos paralisar iniciativas perigosas como a Alca. Os partidários
tupiniquins do projeto americano
estão desorientados e horrorizados. E nada podem fazer.
Por isso, volto a proclamar: Viva
o companheiro Bush!
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV- EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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