São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Crise teve efeito mais defasado no Brasil

MÁRCIO HOLLAND
ESPECIAL PARA A FOLHA

CERTAMENTE que não podia ser melhor o resultado do crescimento econômico do terceiro trimestre de 2008. A economia brasileira cresceu 6,8% em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior e 1,8% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Note que estamos falando em taxas de crescimento mais de um ano após o estouro da crise financeira internacional. Ou seja, mesmo sob a profunda crise financeira internacional, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu a taxas extraordinárias.
Ao mesmo tempo, a zona do euro e os Estados Unidos já anunciaram recessão econômica e desemprego em massa.
Mas por que o Brasil está crescendo tanto quando o mundo enfrenta um devastador quadro recessivo? Logo o Brasil, que insistia tanto em não crescer quando o mundo vivia uma fase de grande expansão.
Podemos já antecipar que o lado real da economia brasileira passou intacto pela crise financeira internacional, pelo menos até um ano após seu estouro. O que parece que está acontecendo é um fenômeno amplamente conhecido de efeitos defasados de uma crise financeira sobre o lado real da economia. A novidade está no fato de que tal defasagem sobre a economia brasileira foi maior do que nas economias avançadas. E aqui reside um problema virtual: a defasagem dos efeitos da crise sobre a economia real brasileira pode se estender para efeitos retardados na retomada do crescimento. Ou seja, se a economia brasileira iniciar um ciclo de desaquecimento no final deste ano e este se prolongar para 2009, corremos o risco de retomar o crescimento depois que as economias avançadas já o tiverem feito.
Antes de qualquer crítica apressada, a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) cresceu algo interessante (19,7%), para um crescimento do consumo das famílias nada desprezível (7,3%) e do consumo do governo também (6,4%). Já a contribuição do setor externo foi negativa, ou seja, as importações cresceram mais do que as exportações.
O que dizem esses dados? E o que podemos esperar para os próximos trimestres? Primeiro, mesmo com a desvalorização cambial, o setor externo seguirá contribuindo cada vez menos para o crescimento do PIB brasileiro, dados o quadro recessivo prolongado no exterior, a falta de crédito externo aos exportadores e ainda o declínio nos preços internacionais das commodities.
Segundo, não se pode esperar por crescimento do investimento de tal magnitude, pelo menos até a primeira metade do próximo ano. Afinal, os diversos planos de investimento das grandes empresas estão sendo sistematicamente adiados, assim como o mercado de crédito está muito distante de se recompor tão logo.
Sem créditos externos, não há investimentos novos adequados. E, assim, não se pode esperar por repetição nas taxas de crescimento da formação bruta de capital fixo. Sem crédito doméstico, não se sustenta o crescimento do consumo das famílias ou mesmo a expansão da construção civil fica muito prejudicada.
Em síntese, grande parte da excelente performance do PIB brasileiro se deve à forte expansão recente no mercado de crédito aqui e lá fora. Mas, definitivamente, o crédito doméstico se escasseou e muitos dos setores que cresceram bastante no terceiro trimestre são fortemente dependentes de tais créditos. E, sobre o crédito externo, melhor é acreditarmos que qualquer sinal de fora será via recuperação da economia norte-americana, o que deverá ocorrer somente mais alguns trimestres à frente.

MÁRCIO HOLLAND é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP) e pesquisador do CNPq.



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