São Paulo, quinta, 10 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil não é para principiantes

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
² "As impossibilidades não existem; mesmo as contradições nos termos, graças a Hegel, deixaram de o ser", escreveu certa vez Fernando Pessoa. Bem. Se é assim, a política econômica do governo brasileiro está salva e redimida.
No artigo da semana passada, comentei as contradições entre o ajuste fiscal de emergência e a proposta oficial de reforma do sistema tributário. Hoje vou tratar das aparentes contradições entre algumas das metas econômicas relacionadas ao acordo com o FMI.
No documento do FMI, datado de 2 de dezembro, que anunciou a aprovação do acordo com o Brasil, apareceu a projeção de um superávit comercial de US$ 2,8 bilhões para 1999. Seria o primeiro saldo positivo desde 1994 e representaria um aumento de nada menos que US$ 7,8 bilhões em relação ao resultado projetado para 1998 (um déficit de US$ 5 bilhões).
Graças a essa reviravolta na balança comercial, o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente poderia cair de US$ 32,9 bilhões, ou 4,2% do PIB, em 1998 para US$ 26 bilhões, ou cerca de 3,5% do PIB, em 1999, projeção que já havia sido anunciada na carta de intenções assinada pelo ministro da Fazenda e enviada ao diretor-gerente do FMI em 13 de novembro.
O que dizer desses números? Em primeiro lugar, faltou explicar como se conseguirá, no quadro da atual política econômica, alcançar uma reviravolta dessa magnitude no resultado da balança comercial e a diminuição correspondente no déficit em conta corrente.
É verdade que a taxa de câmbio real vem sendo corrigida gradativamente. É verdade, também, que o governo admite uma queda de 1% do PIB em 1999. As duas coisas tendem a afetar favoravelmente a balança comercial e alguns outros itens da conta corrente.
Mas é duvidoso que sejam suficientes para produzir uma mudança tão acentuada no saldo comercial, que dependeria, segundo os dados divulgados, de um aumento de 7% no valor em dólares das exportações e de uma queda de 7% no valor das importações. Entre 1997 para 1998, por exemplo, quando já estava em curso a política de ajuste gradual do câmbio e quando o Brasil registrou um declínio bem mais acentuado da taxa anual de crescimento do PIB -de 3,7% para 0,5%-, o déficit comercial caiu de US$ 8,4 bilhões para US$ 5 bilhões, diminuição bem mais modesta do que a prevista para 1999.
Dada a atual política cambial, o superávit comercial projetado para o ano que vem exigiria provavelmente uma recessão mais forte que a admitida pelo governo. Nessa hipótese, porém, o que iria para o espaço seriam as metas de diminuição do déficit público.
Questionado a respeito da possível incongruência das metas, o ministro Malan procurou desconversar, caracterizando os números para a balança comercial como meros exercícios de projeção do "staff" do FMI. Resposta curiosa, uma vez que a projeção para a conta corrente consistente com o superávit comercial de US$ 2,8 bilhões já constava da carta de intenções assinada pelo próprio Malan! Por outro lado, se o ministro da Fazenda está admitindo uma redução menor do déficit comercial em 1999, terá de admitir também um déficit em conta corrente mais próximo do nível preocupante de 4% do PIB registrado em 1997-1998. Nesse caso, praticamente não teríamos saído da estaca zero em termos de ajustamento externo.
Há outras razões para duvidar dos números do acordo com o FMI. Nos últimos meses, o governo vem tomando ou propondo medidas que aumentam o custo de produzir no Brasil e diminuem a competitividade internacional das empresas brasileiras, dificultando a exportação e facilitando a penetração das importações.
O pacote de ajuste fiscal inclui, como se sabe, expressivo aumento de dois tributos cumulativos: a Cofins e a CPMF. A nova elevação das taxas de juro, desde setembro, aumentou ainda mais a discrepância entre os custos financeiros das empresas brasileiras e os de seus concorrentes do exterior. Com a retração acentuada da oferta de crédito externo, mesmo empresas de maior porte, que antes se financiavam no exterior, ficaram sujeitas às taxas de juro escorchantes vigentes no mercado interno de crédito. E, para completar o quadro, tivemos, na semana passada, o aumento da taxa de juro de longo prazo (TJLP) do BNDES.
Enquanto isso, o Brasil continua gastando mais de US$ 5 bilhões por ano com viagens internacionais, sem que o governo tenha tomado qualquer medida para desestimular o turismo no exterior ou o uso internacional de cartões de crédito! Por incrível que pareça, trata-se do mesmo país que acaba de passar o chapéu e levantar mais de US$ 41 bilhões em empréstimos de emergência junto a governos estrangeiros, FMI e outras entidades multilaterais!
Dá para entender? Como dizia o Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.
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Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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