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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil não é para principiantes
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
²
"As impossibilidades não existem; mesmo as contradições nos
termos, graças a Hegel, deixaram de o ser", escreveu certa vez
Fernando Pessoa. Bem. Se é assim, a política econômica do governo brasileiro está salva e redimida.
No artigo da semana passada,
comentei as contradições entre o
ajuste fiscal de emergência e a
proposta oficial de reforma do
sistema tributário. Hoje vou tratar das aparentes contradições
entre algumas das metas econômicas relacionadas ao acordo
com o FMI.
No documento do FMI, datado
de 2 de dezembro, que anunciou
a aprovação do acordo com o
Brasil, apareceu a projeção de
um superávit comercial de US$
2,8 bilhões para 1999. Seria o primeiro saldo positivo desde 1994 e
representaria um aumento de
nada menos que US$ 7,8 bilhões
em relação ao resultado projetado para 1998 (um déficit de US$ 5
bilhões).
Graças a essa reviravolta na
balança comercial, o déficit de
balanço de pagamentos em conta corrente poderia cair de US$
32,9 bilhões, ou 4,2% do PIB, em
1998 para US$ 26 bilhões, ou cerca de 3,5% do PIB, em 1999, projeção que já havia sido anunciada na carta de intenções assinada pelo ministro da Fazenda e
enviada ao diretor-gerente do
FMI em 13 de novembro.
O que dizer desses números?
Em primeiro lugar, faltou explicar como se conseguirá, no quadro da atual política econômica,
alcançar uma reviravolta dessa
magnitude no resultado da balança comercial e a diminuição
correspondente no déficit em
conta corrente.
É verdade que a taxa de câmbio real vem sendo corrigida gradativamente. É verdade, também, que o governo admite uma
queda de 1% do PIB em 1999. As
duas coisas tendem a afetar favoravelmente a balança comercial e alguns outros itens da conta corrente.
Mas é duvidoso que sejam suficientes para produzir uma mudança tão acentuada no saldo
comercial, que dependeria, segundo os dados divulgados, de
um aumento de 7% no valor em
dólares das exportações e de uma
queda de 7% no valor das importações. Entre 1997 para 1998, por
exemplo, quando já estava em
curso a política de ajuste gradual
do câmbio e quando o Brasil registrou um declínio bem mais
acentuado da taxa anual de
crescimento do PIB -de 3,7%
para 0,5%-, o déficit comercial
caiu de US$ 8,4 bilhões para US$
5 bilhões, diminuição bem mais
modesta do que a prevista para
1999.
Dada a atual política cambial,
o superávit comercial projetado
para o ano que vem exigiria provavelmente uma recessão mais
forte que a admitida pelo governo. Nessa hipótese, porém, o que
iria para o espaço seriam as metas de diminuição do déficit público.
Questionado a respeito da possível incongruência das metas, o
ministro Malan procurou desconversar, caracterizando os números para a balança comercial
como meros exercícios de projeção do "staff" do FMI. Resposta
curiosa, uma vez que a projeção
para a conta corrente consistente
com o superávit comercial de
US$ 2,8 bilhões já constava da
carta de intenções assinada pelo
próprio Malan! Por outro lado,
se o ministro da Fazenda está
admitindo uma redução menor
do déficit comercial em 1999, terá de admitir também um déficit
em conta corrente mais próximo
do nível preocupante de 4% do
PIB registrado em 1997-1998.
Nesse caso, praticamente não teríamos saído da estaca zero em
termos de ajustamento externo.
Há outras razões para duvidar
dos números do acordo com o
FMI. Nos últimos meses, o governo vem tomando ou propondo
medidas que aumentam o custo
de produzir no Brasil e diminuem a competitividade internacional das empresas brasileiras, dificultando a exportação e
facilitando a penetração das importações.
O pacote de ajuste fiscal inclui,
como se sabe, expressivo aumento de dois tributos cumulativos: a
Cofins e a CPMF. A nova elevação das taxas de juro, desde setembro, aumentou ainda mais a
discrepância entre os custos financeiros das empresas brasileiras e os de seus concorrentes do
exterior. Com a retração acentuada da oferta de crédito externo, mesmo empresas de maior
porte, que antes se financiavam
no exterior, ficaram sujeitas às
taxas de juro escorchantes vigentes no mercado interno de crédito. E, para completar o quadro,
tivemos, na semana passada, o
aumento da taxa de juro de longo prazo (TJLP) do BNDES.
Enquanto isso, o Brasil continua gastando mais de US$ 5 bilhões por ano com viagens internacionais, sem que o governo tenha tomado qualquer medida
para desestimular o turismo no
exterior ou o uso internacional
de cartões de crédito! Por incrível
que pareça, trata-se do mesmo
país que acaba de passar o chapéu e levantar mais de US$ 41 bilhões em empréstimos de emergência junto a governos estrangeiros, FMI e outras entidades
multilaterais!
Dá para entender? Como dizia
o Tom Jobim, o Brasil não é para
principiantes.
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Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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