São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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LEITE DERRAMADO

Empresa registrou perdas de R$ 107 milhões ao se desfazer de ativos que comprou durante a expansão

Parmalat transferiu R$ 198 mi em 2003

Flávio Florido/Folha Imagem
Vacas são ordenhadas em uma propriedade em Castro, no Paraná, que entrega leite a uma cooperativa que fornece para a Parmalat


SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Parmalat brasileira esvaziou R$ 197,98 milhões de seu caixa no ano passado para socorrer a matriz e coligadas da América do Sul.
Além disso, ao longo do processo agressivo de aquisição de empresas entre 1989 e 1999, ela pagou R$ 100 milhões de ágio aos vendedores. Ao se desfazer de parte desses ativos, registrou perdas de R$ 107 milhões nos balanços entre 2000 e setembro de 2003.
Esses são alguns detalhes da gestão financeira da empresa nos últimos sete anos -gestão essa considerada no mínimo curiosa por analistas ouvidos pela Folha.
Em depoimento à Justiça italiana na semana passada, Fausto Tonna, ex-diretor financeiro da Parmalat, afirmou que a empresa tinha como costume inflar o preço de empresas compradas na América Latina para subornar políticos durante sua fase de expansão. No entanto Tonna não nomeou políticos nem países.
O balanço de 30 de setembro de 2003 da empresa no Brasil mostra que a Parmalat transferiu R$ 188 milhões à sua controladora no Brasil -a Parmalat Participações- de capital fechado, que não publica balanços, o que dificulta o rastreamento do dinheiro. Para coligadas da América do Sul foram R$ 9,9 milhões.
A transferência de recursos ocorreu por meio de contratos de mútuo (empréstimos) e operações para aquisição de equipamentos. O balanço mostra que a empresa brasileira deve à Parmalat SpA, da Itália, R$ 3,1 milhões. Ou seja: seu passivo com a matriz é bem inferior aos valores que tem a receber do grupo.
Essas operações foram identificadas por um auditor contábil que analisou os balanços da empresa publicados entre 1997 e 2003, a pedido da Folha.
A conclusão do especialista é que, no período, a brasileira passou de tomadora a fornecedora de recursos do grupo italiano. De 1997 a 2000, a Parmalat brasileira recebeu mais do que transferiu das demais empresas do grupo. A relação se inverteu em 2001.
Segundo o auditor, enquanto financiava a matriz e suas coligadas de Argentina, Uruguai, Colômbia e Equador, a Parmalat brasileira ficava sem caixa para pagar fornecedores locais com os quais está em atraso desde o fim de 2003.

Ágio
O especialista também identificou o pagamento de vultoso ágio durante o processo agressivo de aquisição de empresas. No total, foram compradas pela Parmalat 30 empresas no Brasil, e, em 1997, o ágio acumulado já atingia a casa dos R$ 110 milhões.
O ágio é a diferença entre o valor pago na compra de uma empresa e seu valor contábil. A princípio, não se trata de crime nem de má gestão. Segundo especialistas, é uma constatação normal em operações como essas, pois o valor pelo qual ativos são contabilizados geralmente não refletem o valor de mercado da empresa.
O ágio pago pela Parmalat no Brasil chama a atenção não só à luz do depoimento de Tonna na Itália, mas, principalmente, porque, ao vender empresas que adquiriu, a Parmalat teve prejuízo.
Segundo o auditor que analisou os balanços dos últimos sete anos da empresa, se a Parmalat do Brasil foi ferramenta para irregularidades eventualmente perpetradas por seu presidente mundial, não se sabe. Mas que sua trajetória no Brasil tem sido arriscada, isso é evidente, segundo o auditor.

Política desastrada
Na opinião de analistas e consultores ouvidos pela Folha, a corrida expansionista da Parmalat do Brasil se provou, no mínimo, temerária.
Aparentemente, a visão dos gestores era de crescimento de vendas, expansão de atividades e de "market share". Os aspectos de viabilidade do empreendimento, rentabilidade das operações, retorno dos investimentos e geração de caixa foram, aparentemente, subestimados.
A análise dos balanços mostra que, apesar de sua expansão, a receita da Parmalat cresceu 19,1% entre 1995 e 1996 e começou a declinar desde então, perdendo 45,3% até 2002. Seus resultados, na série examinada pelo especialista, têm sido de prejuízos constantes e crescentes. Em consequência, foi sendo reduzido ano a ano o valor de seu patrimônio líquido, apesar da reavaliação de ativos, aumento de capital e injeção de recursos pela matriz.
Ao longo de todo o período analisado, a Parmalat teve deficiência de caixa. Seu endividamento atingiu 91% do valor dos ativos em 1998 e se mantém, desde então, em torno dos 50% (53% em 2002). Para o auditor, esse nível é muito alto -embora adequado ao padrão brasileiro- e corrói os resultados da empresa devido às altas taxas de juros locais e da variação cambial. E isso se agrava se for considerado que 75% de sua dívida em 2002 é de curto prazo.
Em março de 2000, ao emitirem opinião sobre as demonstrações contábeis de 1999, os auditores da Deloitte & Touche Tohmatsu chamam a atenção para a desativação de algumas unidades e suspensão de algumas operações. Desde então até setembro de 2003 a Parmalat se desfez de vários ativos, sempre com prejuízo.


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