São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Persistência é virtude, teimosias são doenças

BENJAMIN STEINBRUCH

Quando sobreveio o primeiro choque do petróleo, em 1973, o Brasil voava em céu de brigadeiro. Quem tem mais de 40 anos se lembra bem. A economia brasileira apresentava o maior ritmo de crescimento de que se tem notícia na história do país, de quase 14% ao ano, enquanto a economia mundial crescia 7%.
Nesse clima, deu-se por aqui pouca atenção à elevação brutal e abrupta nos preços do petróleo, de US$ 2,90 para quase US$ 12 o barril. Enquanto os demais países tomavam medidas para reduzir os gastos com combustíveis, até mesmo impondo racionamentos, o Brasil continuava aumentando o consumo em torno de 6% ao ano.
Vigorava, então, a teimosa teoria de que a crise seria passageira e de que o Brasil seria uma "ilha de tranqüilidade", impossível de ser atingida por choques externos. Para manter o consumo de petróleo, que era 78% importado, gastava-se US$ 23 bilhões (em valores de hoje) por ano. E, por aí, o país se endividou.
Teimosias em geral custam caro. A dos anos 70 custou uma crise de balanço de pagamentos e uma década perdida. Outras mais recentes igualmente mostram que fórmulas mantidas por muito tempo, contra a opinião geral, acabam mal. Já teimamos em combater a inflação com terapias heterodoxas que nos levaram à hiperinflação, com devastadores efeitos sociais. Já teimamos com o câmbio fixo e com outras traquitanas do gênero. No governo Fernando Henrique Cardoso, o dólar foi corretamente usado para controlar a inflação no início do Plano Real, mas continuou como âncora durante longos anos, a despeito das críticas gerais. O real forte prejudicou exportações, favoreceu importações e elevou o déficit comercial. Resultado: o país acumulou um déficit de US$ 186 bilhões em suas transações com o exterior durante os oito anos do governo FHC. Uma conta que o país paga agora.
Cito esses casos para observar que estão no ar, hoje, duas teimosias que ameaçam o atual vôo de brigadeiro da economia brasileira. De fato, o país terminou 2004 em situação bastante confortável. Superávit comercial de US$ 33,7 bilhões, superávit em conta corrente de US$ 10 bilhões (até novembro), superávit fiscal, inflação baixa e crescimento econômico de 5%.
A primeira teimosia que está no ar é a do dólar. O Banco Central está novamente cedendo à tentação de usar o câmbio para segurar a inflação. Não há como sustentar as exportações no nível atual se persistir a teimosa indiferença em relação à valorização do real, que mantém a taxa de câmbio em torno de R$ 2,70.
Setores exportadores já perderam rentabilidade por conta dessa taxa e cabe ao Banco Central a responsabilidade de intervir mais firmemente no mercado para elevá-la pelo menos para a faixa de R$ 3,00. Variadas experiências históricas, principalmente de países asiáticos, mostram o extraordinário efeito do câmbio desvalorizado para anabolizar exportações e gerar emprego e renda.
A segunda teimosia é a dos juros. É quase consensual a idéia de que as taxas de juros reais praticadas no Brasil nos últimos quinze anos são exageradas. Uma aberração desnecessária tendo em vista seu objetivo de segurar a inflação, que hoje decorre menos da demanda e mais de ajustes de preços administrados pelo próprio governo.
Além de impedir os investimentos, as taxas elevadas atraem capitais voláteis e, por tabela, valorizam o real e prejudicam a balança de comércio. Mais grave: os juros exorbitantes fazem estragos nas contas públicas, porque aumentam as despesas financeiras e a dívida interna. Persistência é virtude, teimosias são doenças.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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