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PAULO RABELLO DE CASTRO
CPMF: dando a cara para bater
A proposta escancarada de prorrogar a CPMF a perder de vista é uma bofetada sem luvas na cara dos brasileiros
A CPMF, OU "IMPOSTO do cheque", nasceu provisória. O
mau Congresso Nacional, em
legislaturas sucessivas, encarregou-se de perpetuá-la.
Em 1993, diante de uma suposta
necessidade de cobrir gastos crescentes na Saúde, não foi difícil extrair dos congressistas aquilo que
parecia, então, ser a solução indolor
e inofensiva: todas as movimentações bancárias passariam a recolher
à União 0,2%, a título provisório.
Ainda houve quem defendesse,
sem perceber o beijo da traição, que
a CPMF deveria se tornar o imposto
único da nação. Doce ilusão de homens de boa vontade. A experiência
de apoiar a esdrúxula tributação foi
frustrante, pois os congressistas jamais eliminaram as demais categorias tributárias.
Quinze anos depois, a CPMF está
projetada para arrecadar R$ 35 bilhões em 2007. Tornou-se um tributo enorme e permanente que, entretanto, o governo é obrigado a "negociar" com o Congresso, pois sua
prorrogação é objeto de transações
sucessivas, bem convenientes, ao
gosto dos políticos.
O governo quer agora estender a
CPMF por mais dez anos, numa só
tacada. A proposta do ministro da
Fazenda fala por si mesma: a visão
arrecadadora do Estado brasileiro
não tem limites sobre o bolso do cidadão. A proposta escancarada de
prorrogar a CPMF a perder de vista
é uma bofetada sem luvas na cara
dos brasileiros, enquanto bovinamente aguardamos nossa vez no
abatedouro das esperanças de chegar a ver uma reforma fiscal "neste
país".
Não há reforma alguma em curso
nem nunca houve interesse dos participantes do regabofe em Brasília
em prol do diálogo fiscal com a sociedade. À CPMF se juntaram outras figuras medonhas: a Cofins, o
PIS, a CSLL -todas destinadas a sacar diretamente da fonte das atividades produtivas, sem questionamento sobre eventuais efeitos deletérios ao crescimento do país.
Seria ofensa à jabuticaba lembrar
que a CPMF só existe no Brasil.
Mas é verdade. Tanto quanto suas
primas horrorosas, a CPMF acabou
se convertendo em sinônimo de
"simplicidade fiscal". Na cartilha da
resignação em que foi educada a
mente dos atuais governantes, a vítima passa a amar o seqüestrador, numa espécie de "Síndrome de Estocolmo" fiscal. A CPMF passou a ser
amada por sua simplicidade.
Por falar em Estocolmo, o exemplo recente vem da Suécia. Aquele
país vem fazendo um radical trabalho de limpeza de sua carga tributária exagerada, trocando assistência
do Estado por mais oportunidade no
mercado, baixando impostos e reformando a previdência.
Mas estamos longe de ser Suécia.
Na terra da CPMF, o tributo tem
destino pior: só 50% vão para cobrir
as atividades-fim do Estado brasileiro "prestador de serviços"; os outros
50% se distribuem entre coberturas
ao encargo brutal de juros da dívida
pública (20%) e ao explosivo déficit
previdenciário (30%).
O iludido contribuinte, ao constatar, horrorizado, que apenas 50% de
cada real arrecadado vão para o
cumprimento das funções regulares
do Estado, haverá de pensar que estamos longe de encontrar caminhos
para uma efetiva reforma fiscal. Mas
depende de o nosso protesto ser ouvido. Jamais a CPMF deveria ser
prorrogada novamente: caberia ao
Congresso reagrupar as várias siglas
da vergonha fiscal (CPMF, Cofins,
PIS, CSLL, IPI, INSS etc.) numa única espécie -um imposto sobre valor
agregado federal-, normalizando o
universo tributário do brasileiro. Ao
mesmo tempo, é tarefa do Executivo
mostrar como atacará os vazamentos insuportáveis dos gastos com juros e com o déficit da Seguridade Social. Se o brasileiro continuar dando
a cara, apanhará de novo, e o governo ainda lhe baterá a carteira.
Na revolução americana, a insurreição do colono contra o imposto
abusivo do rei inglês tomou como
justificativa o lema: "Não há taxação
sem representação". Assim, nasceram o Congresso Continental e, em
seguida, os Estados Unidos da
América.
Aqui lutamos contra o jugo de
Brasília. Devemos ir além do que
disseram os federalistas americanos. Nosso lema: "Não há legitimidade sem reciprocidade". O governo
que não oferece serviços efetivos sobre o tributo que arrecada não é parte legítima para taxar, muito menos
para comandar a nação.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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