São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

CPMF: dando a cara para bater

A proposta escancarada de prorrogar a CPMF a perder de vista é uma bofetada sem luvas na cara dos brasileiros

A CPMF, OU "IMPOSTO do cheque", nasceu provisória. O mau Congresso Nacional, em legislaturas sucessivas, encarregou-se de perpetuá-la.
Em 1993, diante de uma suposta necessidade de cobrir gastos crescentes na Saúde, não foi difícil extrair dos congressistas aquilo que parecia, então, ser a solução indolor e inofensiva: todas as movimentações bancárias passariam a recolher à União 0,2%, a título provisório.
Ainda houve quem defendesse, sem perceber o beijo da traição, que a CPMF deveria se tornar o imposto único da nação. Doce ilusão de homens de boa vontade. A experiência de apoiar a esdrúxula tributação foi frustrante, pois os congressistas jamais eliminaram as demais categorias tributárias.
Quinze anos depois, a CPMF está projetada para arrecadar R$ 35 bilhões em 2007. Tornou-se um tributo enorme e permanente que, entretanto, o governo é obrigado a "negociar" com o Congresso, pois sua prorrogação é objeto de transações sucessivas, bem convenientes, ao gosto dos políticos.
O governo quer agora estender a CPMF por mais dez anos, numa só tacada. A proposta do ministro da Fazenda fala por si mesma: a visão arrecadadora do Estado brasileiro não tem limites sobre o bolso do cidadão. A proposta escancarada de prorrogar a CPMF a perder de vista é uma bofetada sem luvas na cara dos brasileiros, enquanto bovinamente aguardamos nossa vez no abatedouro das esperanças de chegar a ver uma reforma fiscal "neste país".
Não há reforma alguma em curso nem nunca houve interesse dos participantes do regabofe em Brasília em prol do diálogo fiscal com a sociedade. À CPMF se juntaram outras figuras medonhas: a Cofins, o PIS, a CSLL -todas destinadas a sacar diretamente da fonte das atividades produtivas, sem questionamento sobre eventuais efeitos deletérios ao crescimento do país.
Seria ofensa à jabuticaba lembrar que a CPMF só existe no Brasil.
Mas é verdade. Tanto quanto suas primas horrorosas, a CPMF acabou se convertendo em sinônimo de "simplicidade fiscal". Na cartilha da resignação em que foi educada a mente dos atuais governantes, a vítima passa a amar o seqüestrador, numa espécie de "Síndrome de Estocolmo" fiscal. A CPMF passou a ser amada por sua simplicidade.
Por falar em Estocolmo, o exemplo recente vem da Suécia. Aquele país vem fazendo um radical trabalho de limpeza de sua carga tributária exagerada, trocando assistência do Estado por mais oportunidade no mercado, baixando impostos e reformando a previdência.
Mas estamos longe de ser Suécia. Na terra da CPMF, o tributo tem destino pior: só 50% vão para cobrir as atividades-fim do Estado brasileiro "prestador de serviços"; os outros 50% se distribuem entre coberturas ao encargo brutal de juros da dívida pública (20%) e ao explosivo déficit previdenciário (30%).
O iludido contribuinte, ao constatar, horrorizado, que apenas 50% de cada real arrecadado vão para o cumprimento das funções regulares do Estado, haverá de pensar que estamos longe de encontrar caminhos para uma efetiva reforma fiscal. Mas depende de o nosso protesto ser ouvido. Jamais a CPMF deveria ser prorrogada novamente: caberia ao Congresso reagrupar as várias siglas da vergonha fiscal (CPMF, Cofins, PIS, CSLL, IPI, INSS etc.) numa única espécie -um imposto sobre valor agregado federal-, normalizando o universo tributário do brasileiro. Ao mesmo tempo, é tarefa do Executivo mostrar como atacará os vazamentos insuportáveis dos gastos com juros e com o déficit da Seguridade Social. Se o brasileiro continuar dando a cara, apanhará de novo, e o governo ainda lhe baterá a carteira.
Na revolução americana, a insurreição do colono contra o imposto abusivo do rei inglês tomou como justificativa o lema: "Não há taxação sem representação". Assim, nasceram o Congresso Continental e, em seguida, os Estados Unidos da América.
Aqui lutamos contra o jugo de Brasília. Devemos ir além do que disseram os federalistas americanos. Nosso lema: "Não há legitimidade sem reciprocidade". O governo que não oferece serviços efetivos sobre o tributo que arrecada não é parte legítima para taxar, muito menos para comandar a nação.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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