São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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COMÉRCIO MUNDIAL

Carta foi enviada aos países-membros da OMC; oferta equivalente terá de vir dos EUA, Austrália e Canadá

UE faz lance ousado pelo fim dos subsídios

Don Macmonagle/France Presse
O comissário da UE para a Agricultura, Franz Fischler, que assinou carta aos países-membros da OMC propondo o fim dos subsídios


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

A União Européia fez ontem o seu lance mais audacioso até agora para tentar ressuscitar a moribunda Agenda Doha, a rodada de liberalização comercial lançada em novembro de 2001 na capital do Qatar, mas estancada desde então.
O lance europeu tomou a forma de carta aos ministros dos 148 países-membros da Organização Mundial do Comércio, assinada por Pascal Lamy e Franz Fischler, comissários para Comércio e Agricultura, respectivamente (espécie de ministros).
Para o Brasil (e o Mercosul), o item em princípio mais atraente da nova oferta européia é a disposição para negociar a eliminação de todos os subsídios à exportação, desde que os parceiros europeus também eliminem seus mecanismos de apoio às vendas.
A esse respeito, Fischler foi muito claro, ao apontar o dedo para "nossos parceiros norte-americanos, australianos ou canadenses, [que] têm de deixar claro que farão oferta plenamente equivalente em relação às formas de apoio que usam, tais como créditos à exportação, abuso de ajuda alimentícia [aos países pobres] ou empresas comerciais estatais".
Ao contrário dos explícitos subsídios europeus, essas três outras formas de apoio à exportação são menos nítidas, mas de todo modo impedem ou dificultam o acesso ao mercado da produção de países como o Brasil, que não têm recursos para subsidiar seus próprios produtores.
Para entender por que essa oferta beneficia o Brasil e o Mercosul, é preciso lembrar que há uma outra negociação em curso, entre a União Européia e o Mercosul, na qual o tema "subsídios" ficou de fora. Mas não ficou de fora o acesso a mercado (derrubada das tarifas de importação): os europeus ofereceram ao Mercosul redução de tarifas para bens agrícolas de forma a que o bloco do Sul possa aumentar suas exportações em cerca de US$ 2,9 bilhões.

Vantagem sem subsídios
Se, agora, no âmbito global, forem de fato eliminados os subsídios à exportação, o Mercosul poderá concorrer em melhores condições em terceiros mercados e, portanto, aumentar também para eles suas exportações agrícolas.
Os europeus habilmente aproveitaram o fato de a OMC ter dado ganho de causa ao Brasil, contra os subsídios dos EUA ao algodão, para propor "uma ação rápida" especificamente para o caso.
"A União Européia propõe a eliminação de todas as formas de apoio à exportação em todos os países ricos", diz a carta de Lamy/Fischler.
Com isso, põe pressão sobre os EUA, que já anunciou que vai recorrer da decisão da OMC.
A porta-voz de Lamy, Arancha González, vende com entusiasmo a oferta européia, ao dizer: "Cruzamos uma linha que jamais havíamos cruzado".
É discutível. Antes da Conferência Ministerial da OMC em Cancún (setembro de 2003), que terminou em rotundo fiasco, a UE já havia pedido aos países em desenvolvimento que apresentassem a lista dos subsídios a eliminar.
"O método da lista não funcionou", reconhece agora a carta dos dois comissários.
Mas também não funcionou o anúncio de Fischler, em março, na sede da OMC, em Genebra, de que a Europa estava pronta a discutir todos os subsídios.
Repete agora a oferta, porque, segundo Arancha González, ela não havia ficado clara.
A nova proposta tem também um atraente anzol para o grupo de países mais pobres, que formam o G90, uma frouxa coalizão dos chamados LDCs (os pobres entre os pobres) e dos ACP (países da África, Caribe e Pacífico, igualmente pobres).
Para eles, a oferta é de "uma rodada grátis", diz a carta. Traduzindo: esses países não precisam assumir compromissos de liberalização comercial adicional. Basta que aceitem consolidar suas tarifas de importação na OMC. Consolidar significa que um país não poderá cobrar tarifas de importação acima das registradas (mas pode cobrar menos).
Ainda de olho na concordância do mesmo grupo de países, a UE retira da agenda o tratamento em bloco dos chamados "temas de Cingapura" (investimentos, compras governamentais, políticas de concorrência e facilitação de comércio).
Só entrariam facilitação de comércio, porque se trata de medidas burocráticas que não interferem com as políticas comerciais dos países, e "talvez transparência em compras governamentais", diz a carta.
O colapso da conferência de Cancún se deu, no último dia, justamente porque os países mais pobres, em especial os africanos, rejeitaram a inclusão dos temas de Cingapura.
A nova oferta européia será analisada na semana que vem, em Paris, em reunião ministerial de que participarão cerca de 30 países, o Brasil entre eles.


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