São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Super-real: uma segunda vítima

Com os números regionais de março do IBGE, a região Norte mostra resultados negativos do processo de abertura

O REAL valorizado vem provocando mudanças importantes na economia brasileira.
Mais do que o nível de nossa taxa de câmbio, é a credibilidade em sua estabilidade ao longo dos próximos anos que está por trás dessas transformações. Os agentes econômicos têm hoje confiança em tomar suas decisões de investimento e consumo considerando as importações como parte de sua estratégia. Isso permite uma integração crescente entre demanda interna e oferta externa nos setores dos chamados bens comercializáveis. Em outras palavras, temos hoje no Brasil uma economia realmente aberta ao fluxo comercial internacional.
Quando ocorrem mudanças dessa magnitude em uma economia moderna como a nossa, somos obrigados a lidar com ajustes rápidos de prazo mais curto e alterações estruturais de longo prazo. Esse é um período complexo para o analista, pois não é tarefa fácil conciliar essas duas dimensões. No Brasil, vivemos com intensidade essa fase de ajustes de curto prazo, que provavelmente se esgotarão em questão de um ou dois anos. O mercado chama a isso de movimento de convergência.
Neste período de convergência aparecem de forma clara vencedores e perdedores. A imprensa tem chamado a atenção para os maiores beneficiados dessas mudanças, que são principalmente os consumidores. Produtos de melhor qualidade e preços menores, além de condições mais favoráveis de financiamento, estão fazendo a alegria de milhões de brasileiros. Citaria também como resultado favorável deste período de convergência do Brasil para uma economia aberta a inflação baixa e com grande estabilidade. O mercado financeiro já opera a inflação de cinco anos à frente abaixo da meta do Banco Central.
Mas os perdedores também estão começando a aparecer com maior clareza. Na indústria, os primeiros a sofrer foram os setores têxtil, de confecções e o de calçados. A região Sul sentiu o impacto inicial desse ajuste ao longo de 2006. Agora, com os números regionais divulgados pelo IBGE para o mês de março, a região Norte também mostra os resultados negativos desse processo de abertura.
Entre março de 2004 e março de 2006, a indústria na região Norte cresceu a taxas anuais superiores a 10% ao ano. Nos 12 meses terminados em março de 2007, esse crescimento foi de apenas 0,5%. Se considerarmos apenas o Estado do Amazonas, a queda é ainda mais impressionante: nos 12 meses terminados nesta data a produção caiu 4,8%. E sabemos que a produção desse Estado está concentrada em Manaus, mais especificamente na chamada Zona Franca. E isso em um momento em que a demanda de bens de consumo duráveis no país cresce a taxas de quase dois dígitos.
Sem entrar em juízo de valor sobre a vantagem de uma Zona Franca como a de Manaus, não tenho dúvida em dizer que essa é uma transformação de natureza estrutural e, portanto, definitiva. E aqui temos uma questão que terá de ser enfrentada: o que fazer com as dezenas de milhares de pessoas que perderão seus empregos, em uma região sem alternativa de atividade econômica?
Mas não só na indústria de transformação vão continuar a ocorrer ajustes dessa dimensão. Mesmo na agricultura vamos enfrentar problemas na medida em que ocorram acomodações nos preços internacionais de alguns produtos. É o que está acontecendo atualmente com o açúcar, que, nos níveis de preço atuais e com o câmbio a R$ 2 por dólar, já está oneroso mesmo para as usinas mais eficientes.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
lcmb2@terra.com.br


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