São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Congresso descaracteriza MPs e ameaça Orçamento

Em 60 dias, quatro medidas são alteradas para elevar gastos e reduzir receitas

Para analistas, ano eleitoral contribui para enfraquecer politicamente o governo; agenda legislativa para o futuro é uma incógnita

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de ter sua agenda legislativa paralisada em 2005, o governo passou a colecionar derrotas no Congresso neste ano eleitoral. Simples medidas provisórias se converteram em risco de aumento de gastos, subsídios oficiais e vantagens tributárias.
Em circunstâncias normais, as MPs são o instrumento mais corriqueiro e seguro para que o Palácio do Planalto dite a pauta do Legislativo. Só nos últimos 60 dias, porém, quatro delas serviram para que a oposição se aproveitasse de uma base governista à deriva e desafiasse o presidente, e virtual candidato à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva a vetar propostas de alcance real ou aparentemente popular.
A MP que corrige a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas passou a prever também um parcelamento geral das dívidas das pequenas e grandes empresas com o fisco; a que elevou o salário mínimo teve o reajuste de 16,67% estendido para os aposentados do setor privado.
Outra medida, destinada a estimular com benefícios fiscais a formalização dos empregados domésticos foi desvirtuada com a obrigatoriedade do recolhimento de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para esses trabalhadores -que, para especialistas, vai desencorajar as contratações com carteira assinada.
Por fim, uma derrota já aceita pelo governo: a MP que renegocia dívidas de produtores rurais nordestinos teve seus benefícios multiplicados. Em acordo com os parlamentares ligados ao setor agrícola, o governo chegou a um meio-termo com o compromisso de não vetar o aumento dos gastos originalmente previstos.
"O governo vem se enfraquecendo desde o ano passado [quando veio à tona o escândalo do mensalão], mas o ano eleitoral agravou a situação", avalia David Fleischer, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Como indicam as próprias MPs, o surto de generosidade fiscal pré-eleições começou no Executivo, que montou para 2006 um Orçamento de gastos recordes e medidas de desoneração tributária. O Congresso não quer ficar atrás -ao menos, a oposição à esquerda e à direita quer ver Lula e os políticos petistas se opondo a medidas de agrado do eleitorado.
Só a MP relativa às dívidas agrícolas já implica um gasto total estimado em R$ 4 bilhões, R$ 1 bilhão acima do que o governo estava disposto a conceder no texto original. No reajuste de 16,67% dos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a conta chega a R$ 7 bilhões neste ano.
Lula conta com o poder de sancionar apenas parcialmente os textos recebidos do Legislativo -com o inconveniente do desgaste político- e a praxe do Congresso de não pôr em votação com regularidade os vetos presidenciais.

Agenda futura
A área econômica pode, assim, evitar o aumento de despesas sem previsão no Orçamento e a nova rodada de refinanciamento de dívidas tributárias, que seria a terceira desde 2000. O comportamento do Congresso lança dúvidas, porém, sobre a agenda legislativa do próximo governo, qualquer que seja o vencedor das eleições.
"Os problemas do governo Lula tendem a se agravar num eventual segundo mandato", diz acreditar o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, da Unicamp.
Explica-se: o PT corre o risco de encolher no Congresso, em razão da desmoralização de sua imagem de partido ético, e a economia internacional deve ser menos favorável, contribuindo menos para o crescimento brasileiro e a popularidade do presidente.
Ainda que não haja diferenças visíveis a olho nu entre as diretrizes econômicas do governo petista e da oposição tucano-pefelista, o acirramento da disputa pelo poder entre os dois grupos pôs fim aos acordos políticos que chegaram a ser feitos, em 2003 e 2004, em torno de projetos como a reforma da Previdência e a lei das PPPs (Parcerias Público-Privadas).
Não por acaso, pararam no Congresso as reformas tributária e sindical, a regulamentação das agências reguladores e as regras para o setor de saneamento. A reforma trabalhista e a proposta de autonomia formal do Banco Central nem sequer saíram do Executivo.


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