São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2006

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Desoneração gera atrito Fazenda-Furlan

"Só pode vir de gente que não entende do assunto a idéia de desonerar atraindo investimento", diz secretário da Fazenda

Mantega diz que auxiliar cometeu "impropriedade" e liga para Furlan, mas afirma que nem todos os pedidos do colega serão atendidos


LEANDRA PERES
SHEILA D'AMORIM
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O anúncio feito pelo ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) em entrevista à Folha de que o governo prepara uma nova rodada de desonerações tributárias para compra de máquinas e equipamentos, construção civil e semicondutores provocou ontem um curto-circuito no governo. E expôs uma disputa entre os ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda, até esse episódio restrita aos bastidores do governo.
Contrariado com as promessas de Furlan, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, começou o dia afirmando que "nem que o governo arriasse as calças" seria possível abrir mão de arrecadação para incentivar a instalação de fábricas de microprocessadores no país neste ano.
À tarde, Gomes de Almeida levou um puxão de orelha de seu chefe, o ministro Guido Mantega, que não gostou dos termos usados pelo secretário para criticar Furlan. Mantega, porém, confirmou que a equipe econômica não vai atender a todos pedidos do colega.
Sem aviso prévio ou solicitação de entrevista, o secretário foi até a sala em que trabalham os jornalistas credenciados na Fazenda para comentar as propostas do Desenvolvimento.
"Neste ano não tem desoneração. E somente pode vir de gente que não entende do assunto a idéia de desonerar atraindo investimento. Neste ano não vai sair nada nessa área", declarou Almeida.
Apesar do tom enfático, o secretário não quis atacar diretamente Furlan. Disse que os assuntos citados pelo ministro estavam, de fato, sendo analisados pela equipe econômica, mas que isso não resultaria em redução de impostos, como dissera Furlan.
De acordo com Almeida, não haverá nenhuma suspensão de tributos para a compra de máquinas e equipamentos. Na área da construção civil, o que o governo pretende é autorizar que os empréstimos feitos com juros fixos sejam incluídos na parcela obrigatória de investimentos em habitação, o que equivale a 65% dos depósitos à vista. E autorizar o financiamento habitacional com desconto em folhas de pagamento.
O estímulo para o setor de semicondutores, de acordo Almeida, mal começou a ser discutido no governo. A idéia é criar um política de incentivos de longo prazo que atraia esse tipo de investimento.
"Nos semicondutores, nem que o governo arriasse as calças. Não tem espaço. Medidas serão anunciadas, mas também não têm nada a ver com compensação de aumento de carga tributária. Não é para este ano. O horizonte é bem maior", afirmou o secretário.
Apesar das declarações do secretário, essa etapa, ligada ao setor de semicondutores, já conta com o apoio até da Casa Civil e será adotada dentro do processo de implantação da TV digital no país. Como se trata de benefícios para novos investimentos, não haveria perda referente à arrecadação tributária atual, alega o Ministério do Desenvolvimento.
O constrangimento causado pelas declarações de Almeida obrigou Mantega a pôr panos quentes a fim de evitar um desgaste ainda maior com o colega de ministério. "O Júlio cometeu uma impropriedade. Falou da cabeça dele, sem me consultar", disse Mantega à Folha, por telefone. "Ele já reconheceu que errou. A preocupação do Júlio é pertinente, mas não justifica as declarações em termos inadequados. Ele está proibido de falar assim."
Em Porto Alegre, onde participava de almoço com empresários, Mantega disse que "o setor que vai ter desoneração é o de semicondutores, que não existe no Brasil" -e portanto não implica perda de receitas já existentes.
Mantega ligou de Porto Alegre para Furlan para "esclarecer e não ficar um mal-estar".
Furlan, em férias, não quis comentar o assunto. Assessores do ministro, porém, comentaram que ele está confiante de que pelo menos parte das medidas em negociação será adotada. Sua confiança advém de conversa que teve recentemente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o teria encorajado a fazer tais estudos de desoneração.


Colaborou LÉO GERCHMANN, da Agência Folha, em Porto Alegre

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