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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A doença chama-se hemocromatose
A hemocromatose só se
manifesta após muitos anos,
o que também ocorre com a
economia com muitos dólares
O EXCESSO de dólares na economia brasileira, e a conseqüente valorização do real, é
hoje uma realidade que só os verdadeiramente cegos não conseguem
ver. Tenho voltado a esse ponto com
uma recorrência que pode até irritar
alguns de meus leitores. Mas não
posso deixar de aprofundar esse fenômeno que está mudando de forma radical a economia brasileira.
Utilizar corretamente esse excesso
estrutural de moeda estrangeira para trazer de volta um período saudável de crescimento acelerado e sustentável é uma obrigação do próximo governo, a ser eleito neste ano.
Os economistas chamam o que está acontecendo com o real de "doença holandesa". Essa denominação
foi criada a partir do que ocorreu na
década de 60 do século passado na
economia desse pequeno país europeu. Há algum tempo tenho procurado encontrar uma imagem mais
precisa para esse fenômeno que
ocorre hoje no Brasil, no Chile, na
Rússia e em países exportadores de
petróleo. A China, que também tem
o mesmo problema, é um caso a parte, em razão da política de câmbio fixo adotada na economia, que tem
impedido a valorização da moeda.
Encontrei no campo da medicina
uma doença que representa de forma mais correta os problemas provocados pelo excesso de dólares. Ela
se chama hemocromatose e é a patologia que ocorre em um organismo
que absorve muito mais ferro do que
precisa para viver normalmente. O
excesso absorvido fica depositado
em órgãos como o coração, os rins e,
principalmente, o fígado. Com o
passar do tempo, esses órgãos vão ficando "enferrujados", e seu funcionamento, cada vez mais prejudicado. No limite, provocam a morte do
paciente. Mas a doença atinge essa
situação limite somente depois de
muitos anos, décadas seria melhor
dizer, sem o tratamento necessário.
Aliás, o tratamento é muito simples:
uma sangria terapêutica de tempos
em tempos.
Duas características da hemocromatose me levaram a associá-la ao
excesso de dólares em uma economia como a brasileira. Em primeiro
lugar, porque, tal como ferro no corpo humano, a disponibilidade de dólares é evidência de saúde no balanço de pagamentos, fator positivo para o tecido econômico de um país.
Por outro lado, a falta de ferro produz a anemia nos seres vivos, e a de
dólares, crises cambiais sérias e
atrofia de crescimento. Em segundo
lugar, porque é uma doença cujos
sintomas só se manifestam depois
de muitos anos de convivência com
essa disfunção, o que também ocorre com as economias com excesso de
dólares, caso a política econômica
não seja conduzida adequadamente
na presença desse fenômeno.
Os primeiros sintomas criados
por uma moeda excessivamente valorizada já começam a aparecer no
Brasil. Se olharmos a taxa de crescimento dos setores produtivos mais
afetados pela nossa moeda valorizada e compará-la com a de outros,
principalmente os ligados à extração mineral, esse fenômeno fica evidente. A racionalidade de empresas
e consumidores está direcionando
para as importações um volume
crescente de compras que eram realizadas no mercado interno. Por isso, as importações de certos itens,
como bens de consumo e componentes industriais, estão crescendo
a taxas elevadas. Além disso, na tentativa de competir com as empresas
do exterior, os produtores nacionais
estão abaixando seus preços e, por
isso, reduzindo a rentabilidade de
suas operações. Esse fenômeno ajuda no combate à inflação, mas,
quando combinado com baixo crescimento, acaba por desestimular os
investimentos para aumento de capacidade produtiva.
Ainda na tentativa de compensar
os preços mais baixos das importações, as empresas brasileiras estão
aumentando a rotatividade de seus
funcionários, na busca de compensar com salários mais baixos a perda
de rentabilidade em suas operações.
Essa dinâmica também já pode ser
vista nas estatísticas do mercado de
trabalho. Dou um exemplo claro disso: até julho de 2006, de um total de
76 mil empregos criados na área da
Fiesp, 72,2 mil ocorreram no complexo do açúcar e do álcool. O restante da indústria praticamente não
criou nenhuma vaga nova. A explicação para isso é simples: o setor sucroalcooleiro é um dos poucos protegidos do câmbio valorizado, pois a
cotação do álcool tem seguido de
perto o aumento contínuo dos preços do petróleo nos mercados internacionais.
Esse comportamento é
grave, na medida em que os setores
mais afetados pela valorização cambial e pelo baixo crescimento da economia são justamente os que mais
empregam.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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