São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005

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LEGISLAÇÃO

Especialistas elogiam regras, mas dizem que é preciso fazer alterações

Código do Consumidor, 15, já necessita de mudanças

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há exatos 15 anos, em 11 de setembro de 1990, o Brasil ganhava um importante instrumento para orientar as relações entre as empresas e os consumidores. Por meio da lei nš 8.078, o país passou a ter o Código de Defesa do Consumidor, que entraria efetivamente em vigor seis meses depois, em 11 de março de 1991.
Segundo especialistas consultados pela Folha, nessa década e meia de existência do CDC houve avanços significativos nas relações entre as empresas e seus clientes. As primeiras tiveram de atuar de forma mais transparente, enquanto os segundos passaram a exigir mais os seus direitos.
Alguns detalhes comprovam isso: a maioria dos produtos traz hoje na embalagem a data de fabricação e o prazo de validade; as empresas também colocam um telefone (ou alguma outra forma de comunicação) na embalagem para o consumidor entrar em contato se houver necessidade. Em síntese, pode-se dizer que o CDC "é uma lei que pegou".
Apesar dos avanços, o CDC não é uma unanimidade. "Ainda estamos distantes de uma relação equilibrada entre fornecedores de bens e serviços e seus consumidores", diz o advogado Antonio Fragata Jr., sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados.
Para a advogada Maria Inês Dolci, coordenadora do departamento institucional da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o CDC é um grande avanço no relacionamento fornecedor/consumidor. "Evoluímos muito nesses 15 anos, mas precisamos evoluir mais. Precisamos melhorar as normas em benefício dos consumidores."
Para o coordenador-executivo do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Sesifredo Paz, o CDC contribuiu para um equilíbrio maior na relação entre fornecedor e consumidor.
"Não resolvemos todos os problemas, mas os consumidores têm no código um importante instrumento para esse equilíbrio. É um avanço, é uma vitória da sociedade. Havia uma ansiedade para que o país tivesse um CDC. E hoje o código brasileiro é reconhecido internacionalmente."

Mudanças e adaptações
Embora o CDC tenha mais pontos positivos do que negativos e seja um dos mais modernos do mundo, Fragata entende que são necessárias algumas mudanças e adaptações, principalmente nos casos das multas.
Ele diz que, pela redação atual do CDC, a aplicação das multas às empresas é feita de forma indiscriminada e cumulativa. Significa dizer que uma empresa pode ser multada por todos os órgãos (são cerca de 750 no país) em âmbito federal, estadual e municipal se fizer propaganda enganosa pela televisão, com alcance nacional.
"Os agentes fiscalizadores multam sem um critério uniforme, trazendo intranqüilidade às empresas. Além disso, uma mesma infração pode gerar dezenas de multas." Uma solução para isso, segundo o advogado, seria um projeto de lei separando as infrações nacionais das demais.
Para a advogada Elaine Cristina Zanão, do escritório Viseu, Castro, Cunha e Oricchio Advogados, aos tentar protegê-los, o CDC gerou um sentimento exagerado de confiança nos consumidores que antes desconheciam seus direitos.
"O resultado disso é que muitos passaram a acreditar que possuem todos os direitos, inclusive aqueles que o CDC não protege. Assim, passaram a pedir indenizações absurdas, especialmente nos casos de danos morais."

Setores "problemáticos"
A advogada da Pro Teste diz que há mais de cem projetos de lei prevendo mudanças no CDC, mas há muita pressão de setores empresariais contra elas.
Um desses projetos isenta as agências de turismo de responsabilidade por danos causados aos clientes. O projeto está na Comissão de Justiça e Cidadania do Senado, segundo a advogada.
"A Pro Teste pediu uma audiência pública no Senado para discutir o assunto. O pedido foi feito há um ano e meio, foi aprovado, mas até agora não houve a audiência. Se o projeto for aprovado, será um retrocesso. A responsabilidade passaria a ser de "terceiros", mas quem são eles?", indaga.
Há setores que a advogada da Pro Teste considera "problemáticos". Um deles é o automobilístico. "Na Europa, os carros são obrigados a vir com airbag, para proteger os passageiros. No Brasil, esse acessório é opcional. Se quiser, o consumidor tem de pagar por ele. Será que a vida do consumidor brasileiro vale menos do que a do europeu?"

Bancos, questão polêmica
O relacionamento entre bancos e seus clientes é uma questão polêmica. Para a advogada da Pro Teste, "as relações bancárias devem ser regidas pelo CDC, e não por lei específica". Paz também concorda que os bancos devem estar enquadrados no CDC.
O caráter econômico das relações entre os bancos e seus clientes é usado como argumento pelos que entendem que esse tema não deve ser tratado pelo CDC.
Fragata é adepto dessa tese. Para ele, o relacionamento entre banco e cliente "não é uma relação de consumo, mas de política econômica", usada pelo governo para atingir seus objetivos. "O CDC não pode interferir nisso."

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