São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005

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Cingapura busca ser ponte entre América Latina e Ásia

CLÁUDIA DIANNI
ENVIADA ESPECIAL A CINGAPURA

Um dos quatro tigres do sudeste asiático que impulsionaram a explosão econômica da região a partir dos anos 80, Cingapura chegou aos 40 anos de independência no mês passado com um dilema: diante do vigoroso crescimento dos gigantes vizinhos, China e Índia, a pequena ilha precisa recuperar os níveis de crescimento e descobrir novos nichos, o que inclui a América Latina.
Neste ano, a ex-colônia britânica deve crescer entre 3,5% e 4,5%. Não é pouco, mas é praticamente a metade da média de crescimento de 8% registrada entre 1965 e 2004. "Parte da queda do crescimento é explicada pela redução do comércio mundial de semicondutores", disse o vice-ministro de Indústria e Comércio de Cingapura, Vivian Balakrishnan.
A entrada da China e da Índia como produtores de commodities de tecnologia da informação aumentou a oferta. Além disso, nos últimos anos houve progressos tecnológicos que mudaram o padrão de consumo.
Cingapura, conta, porém, com a agilidade de um país aberto e pequeno para mudar as rotas. A ilha tem 4,2 milhões de habitantes e mede apenas 699 km2. Recentemente, o governo construiu Biópolis, um pólo de pesquisa e desenvolvimento que prepara a cidade-nação para ser um dos principais produtores de fármacos do mundo. Para isso, o governo está investindo pesado em biotecnologia e nanotecnologia e está interessado na tecnologia brasileira de produção de biocombustíveis.
A agilidade para mudar o percurso quando o objetivo é fazer a economia crescer se aplica até as rígidas regras de conduta do país, conhecido por punir vandalismo com chibatadas. Mistura de confucionismo chinês e educação vitoriana britânica, o país aplica multas que podem chegar a US$ 500 para quem suja as ruas, arranca flores das centenas de jardins bem cuidados do país e comete outros delitos.
Mas os interesses econômicos podem suplantar até as regras e costumes. Quando inaugurou o moderno sistema de metrô, nos anos 80, o ex-primeiro-ministro e praticamente fundador do país Lee Kuo Yew ficou envergonhado quando uma goma de mascar impediu o fechamento das portas de um vagão.
Para evitar o problema, proibiu a venda de chicletes. Cingapura ficou famosa, então, como o país onde era proibido até mascar chicletes. Mas há dois anos, quando assinou o Acordo de Livre Comércio com os EUA, o país passou a permitir a importação de chicletes dentais e de nicotina. Motivo: os americanos incluíram as gomas de mascar na lista de produtos negociados.
Para não perder turistas para os resorts da vizinha Indonésia, depois de muito debate o governo, que pune com pena de morte o tráfico de drogas, anunciou que vai autorizar a abertura de cassinos em dois resorts que serão construídos até 2008.
"Para sobrevivermos, temos que planejar 20 anos à frente, por isso estamos investindo na modernização do país e na produção de biotecnologia. Não temos agricultura nem minerais e importamos 60% da água, mas estamos localizados no meio do sudeste asiático. Nosso diferencial é ser um ponto de conexão", diz Satvinder Singh, diretor de operações da Agência de Desenvolvimento de Cingapura.

Conexão
É exatamente um ponto de conexão com a China e outros países da Ásia o que Cingapura quer ser para a América Latina. "A Ásia está se transformando em um grande mercado para a América Latina, mas quase não vemos negócios latino-americanos aqui. Queremos intermediar as exportações das commodities latino-americanas para a Ásia", diz Singh. A região é destino de 15% das exportações brasileiras.
O ministro das Relações Exteriores, George Yeo, propôs a assinatura de um memorando de intenções para começar a discutir um acordo de livre comércio com o Mercosul. O assunto deve começar a ser tratado na visita que o chanceler Celso Amorim deve fazer a Cingapura em outubro.
"Há muitas mudanças no mundo e queremos reposicionar Cingapura. A Ásia tem quase metade da população do mundo e gostaríamos de ter um acordo com o Mercosul. O país mais aberto da América Latina é o Chile, mas a cereja é o Brasil, que é um país com muitos recursos", disse Yeo.
O governo de Cingapura não tem embaixada no Brasil. O país tem apenas 40 postos diplomáticos e no restante dos países possui escritórios de representação. O próximo será inaugurado em São Paulo, neste mês, pelo vice-primeiro-ministro S. Jayakumar.
País orientado aos negócios, Cingapura parece mais uma companhia, e o primeiro-ministro, o CEO de uma multinacional. Recentemente, o primeiro-ministro Lee Hsien Loong anunciou planos para tornar a cidade-nação um lugar "vibrante e global" para atrair mais negócios e turistas, o que inclui mais investimentos em pesquisa, incentivo para estudos na área tecnológica, reforma dos edifícios residenciais públicos -85% dos cingapurianos vivem em prédios de apartamentos construídos e financiados pelos governo- e até a construção de um novo centro comercial e financeiro, erguido sobre um aterro, já que há escassez de terreno.


A repórter Cláudia Dianni viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Cingapura

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