São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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ANÁLISE

Investidores operam no boato e tentam antecipar fatos, o que serve de munição para oscilações dos indicadores

Mercado "em sonho" dá alimento à crise

Dado Galdieri/Associated Press
Operadores da Bolsa de Mercadorias & Futuros, em São Paulo


DA REPORTAGEM LOCAL

A diferença entre o que se passa no mercado financeiro e um sonho é que de um sonho você acorda. A frase é utilizada por pessoas que trabalham no mercado para explicar como funciona a cabeça dos investidores -o mercado opera no boato, não no fato. Ele antecipa as notícias antes que elas se concretizem -sem saber, ao certo, se elas se confirmarão.
Esse é o pano de fundo para a forte oscilação do dólar neste ano.
Os investidores perceberam que são grandes as possibilidades de um candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ser o novo presidente.
Ao olhar para o passado, lembraram em especial declarações favoráveis ao fim dos pagamentos da dívida externa feitas pelo candidato. De um ano para cá, Lula amenizou o discurso, mas o mercado custa a se convencer de que não se trata apenas de manobra para vencer a eleição.
Pesa contra Lula, ainda, a falta de experiência administrativa. Mas analistas concordam em que, de fato, não há quem acredite que um governo petista adotará uma medida drástica -como o calote da dívida-, ao menos de livre e espontânea vontade.
Um governo Lula poderia ser até levado a isso, avaliam, mas devido às atuais circunstâncias criadas pelo mercado, que pressionou o dólar, com suas preocupações antecipadas. A alta do dólar prejudica o andamento de outros setores da economia.
Toda a instabilidade do mercado doméstico eleva a desconfiança do investidor internacional, já atordoado com as perdas com fraudes de empresas dos EUA.
Sem credibilidade, se eleito, ao assumir, Lula deverá ter de lidar com um período de investimento estrangeiro zero -o crédito externo ao país já secou há meses.
Como o país depende do capital externo, o estrangulamento da economia poderia levar à adoção de medidas drásticas.
Há os que avaliam que todo o nervosismo do mercado é culpa, em grande parte, não de um delírio, mas de atitudes desencontradas do Banco Central -como a má gestão da dívida pública ou a marcação a mercado. Graças a isso, os indicadores financeiros começaram a deteriorar em maio, muito antes do que deveriam se a preocupação fosse só política.
Diminui a quantidade de pessoas do mercado que ainda vêem chances de José Serra ganhar a eleição. Ainda assim, se triunfar, terá condições de governabilidade tão ruins quanto as de Lula, com a diferença de que terá um voto de confiança do mercado.
Cresce a avaliação de que Lula não faria um governo tão diferente e surpreendente a ponto de justificar todo o pânico.
Mas, quando o mercado percebeu que era a hora de acordar para a realidade, viu que não havia como amenizar o discurso agora.
(ANA PAULA RAGAZZI)

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