São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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CAPITALISMO VERMELHO

Com reservas equivalentes ao PIB brasileiro, chineses buscam oportunidades de investimento no exterior

Brasil tenta atrair sobra de caixa da China

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

Com reservas internacionais de US$ 470,6 bilhões e a determinação do governo de internacionalizar sua economia, a China tem o potencial de se transformar em uma fonte crescente de investimentos em outros países e pode desempenhar no Brasil o mesmo papel que o Japão teve nos anos 70, quando financiou o desenvolvimento de indústrias como a siderúrgica e a de celulose.
O Brasil tem o que a China busca no exterior: recursos naturais em abundância e uma produção agrícola que pode ajudar a alimentar parte de seu 1,3 bilhão de habitantes. E a China tem o que o Brasil precisa: recursos de sobra para projetos industriais e de infra-estrutura.
A acumulação de reservas internacionais começa a ameaçar a estabilidade da economia asiática, pois aumenta as pressões pela valorização do yuan e leva à expansão acelerada da quantidade de dinheiro em circulação na economia, o que pode neutralizar os esforços do governo de manter sob controle o ritmo de expansão do PIB nacional.
Um dos caminhos de aumento das reservas é a compra pelo banco central da montanha de dólares que entra no país a cada mês, e a entrega de yuans em troca.
No mês de junho, as reservas alcançaram US$ 470,6 bilhões, valor comparável ao PIB do Brasil -ou seja, à soma de todos os bens e serviços que o país produz durante um ano. Pelos cálculos do FMI (Fundo Monetário Internacional), as reservas chegarão a US$ 558 bilhões no próximo ano.

Economia complementar
"A promoção da saída de capitais é um imperativo da política monetária do país", afirma o cônsul do Brasil em Xangai, João de Mendonça Lima Neto, que escreveu um estudo sobre investimentos chineses no Brasil.
Apesar da complementaridade entre as duas economias e da confortável posição das reservas chinesas, os investimentos do país asiático no Brasil ainda são irrisórios. No fim de 2003, o estoque era de US$ 38 milhões, menos que os US$ 140 milhões acumulados, por exemplo, pela Libéria, e anos-luz abaixo dos US$ 24,5 bilhões dos Estados Unidos.
Mas a expectativa é que esse quadro mude rapidamente, com a implementação de projetos que estão sendo negociados por empresas dos dois países. O governo brasileiro estima que a China poderá investir no curto prazo cerca de US$ 5 bilhões no desenvolvimento de infra-estrutura e na produção de insumos como aço.
O valor equivale à metade de todo o investimento estrangeiro que o Brasil recebeu ao longo do ano passado. A falta de informação é apontada como o principal problema no relacionamento com o Brasil por cerca de 600 empresários chineses que responderam pesquisa realizada pelo consulado em Xangai entre os que pediram vistos de negócios para o país.
Mendonça observa que os empresários interessados em investir na China encontram na internet informações em vários idiomas sobre os setores considerados prioritários pelo governo, os incentivos existentes e os procedimentos a serem cumpridos.
Além disso, a China dá um tratamento preferencial ao investimento estrangeiro em relação ao investimento nacional.
No Brasil, a Constituição iguala os dois tipos de recursos e o Congresso se recusa a aprovar os chamados Acordos Bilaterais de Investimentos, que dão preferências ao capital estrangeiro, entre as quais está a utilização do foro de outro país para a solução de controvérsias. "O capital estrangeiro quer ter um tratamento mais favorável que o nacional", afirma Mendonça, lembrando que a China já possui 107 acordos de investimentos e bitributação com outros países.
James Zhan, economista sênior da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), acredita que o Brasil está bem posicionado para receber os crescentes investimentos da Ásia, especialmente os chineses. Em sua opinião, um dos fatores mais importantes nessa aproximação é a determinação de autoridades de ambos os lados de ampliar a cooperação econômica.
Os projetos de investimentos chineses no Brasil deverão ganhar impulso com a visita do presidente Hu Jintao ao país em novembro, como retribuição à viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez à China em maio. Entre os estudos que poderão sair do papel nos próximos meses está a construção de uma siderúrgica no Maranhão pela Companhia Vale do Rio Doce em associação com a chinesa Baosteel, a maior fabricante de aço da China.
A Vale também negocia investimento na área de alumínio com a Chalco (China Aluminum Group). Só esses dois projetos poderão representar desembolsos de US$ 2 bilhões.
Além das reservas internacionais, outro fator crucial no aumento dos investimentos chineses é a política de internacionalização das empresas locais, batizada de "going global". Depois de anos de crescimento ininterrupto de quase dois dígitos, a China já tem conglomerados empresariais em condições de disputar mercado em outros países e aposta no fortalecimento de suas próprias multinacionais e marcas locais.

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