São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO RODRIGUES Crise global e preços mínimos
ESTAMOS plantando uma safra bem mais cara do que as dos anos anteriores por causa do aumento dos custos de produção, sobretudo dos fertilizantes e dos combustíveis. Com isso, precisamos de mais reais por hectare no crédito rural. E, com a queda dos depósitos à vista por causa do fim da CPMF (o antigo tributo do cheque) em 1º de janeiro deste ano, a fonte principal do crédito rural diminuiu. Alem disso, os financiamentos das tradings e das multinacionais, sobretudo para a soja, caíram em razão da crise global, bem como sumiram os créditos para exportação. Sendo assim, nossos produtores vão plantar uma safra mais cara com menos recursos. E no olho do furacão da crise global. E ainda há uma enorme incerteza quanto ao resultado da safra daqui a quatro ou cinco meses, porque ninguém pode afirmar quais serão os preços praticados na colheita. Embora não seja provável, é possível que, se a crise se aprofundar muito mais, os preços caiam, em dólares, lá fora. Se o dólar se mantivesse valorizado, poderia haver uma compensação em reais! Mas também não há a menor garantia dessa valorização. Tudo somado, pode ser que tenhamos um problema sério: plantio caro e com pouco crédito, preços baixos na colheita. Nesse cenário eventual, embora pouco provável, dois atores precisam se organizar: os agricultores e o governo. Os agricultores, botando as barbas de molho, cortando despesas, plantando só o que puderem com o crédito rural conseguido, com a melhor tecnologia disponível, para não darem o passo maior do que a perna. E o governo tem um grande papel a jogar. Já saiu na frente, com agilidade, na questão do crédito rural e também no crédito às exportações. Agora é preciso que os bancos cuidem da parte deles, fazendo o crédito chegar de fato aos seus tomadores. O Banco do Brasil, do seu lado, aumentou a oferta de crédito. Mas o maior papel do governo será o de garantir a renda dos produtores na colheita. Se não fizer isso, o possível desastre poderia levar a uma brutal inadimplência no campo, com reflexos muito fortes no futuro, quanto à redução da capacidade de plantio e conseqüentes problemas no abastecimento, na balança comercial e na inflação. Temos um mecanismo para resolver isso, hoje meio desmoralizado: trata-se da Política de Garantia de Preços Mínimos. É hora de ressuscitar esse poderoso instrumento legal, que faz muito sentido em tempos de crise. Para isso, o governo precisa ter coragem e tomar as atitudes necessárias: em primeiro lugar, rever os atuais preços mínimos, que estão completamente defasados em relação aos novos custos de produção. É fundamental que isso seja anunciado com urgência, para que os agricultores tomem decisões acertadas. E, ainda mais importante, o governo tem de colocar recursos orçamentários à disposição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para ele exercer na plenitude esse instrumento essencial. O ideal, naturalmente, é que o mercado funcione, com todos os seus mecanismos, onde o hedge ganha papel cada vez mais relevante. Quando o seguro rural -criado por lei em 2003 e regulamentado em 2004- estiver funcionando para valer, isso tudo estará resolvido. Mas, em um momento como este, em que o mercado é uma absoluta incerteza, o governo precisa agir com firmeza. E não se trata de salvar agricultores. Trata-se de garantir a estabilidade do país no médio prazo. ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
|
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |