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São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

A conceituação do Fome Zero

O fome Zero era uma idéia à procura de um conceito. Agora, é um conceito à procura de um modelo institucional inovador. Em uma hora de conversa franca, o ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano, expôs à coluna os próximos passos do programa.
O Fome Zero é um programa "transversal", para coordenar ações de vários setores do governo. No governo, seu poder será o de livrar do contingenciamento os programas de outros ministérios que entrem debaixo do seu guarda-chuva. Nos setores não-governamentais, o fato de ser um poderoso incentivador de ação voluntária.
Pelo seu diagnóstico, os dois principais fatores de perpetuação da miséria são a falta de organização social e de infra-estrutura. Sua estratégia será, primeiro, organizar as famílias por meio de assistencialismo.
O cartão será o ponto de partida por gerar demanda local. E também por ser o mecanismo que permitirá a afirmação das redes de conselhos estaduais e municipais. Graziano admite que obrigar os beneficiados a prestar contas de seus gastos ao conselho é tutela. Mas é essa tutela que garantirá poder político ao conselho para enfrentar o poder do prefeito em regiões não-organizadas.
Paralelamente à distribuição do cartão, haverá um conjunto de ações de cunho social, mas com reflexos políticos, visando reduzir a influência da indústria da seca. O cartão evitará a cesta básica, e o projeto Cisternas (que permite recolher água da chuva no inverno) evitará o carro-pipa, as duas principais armas da indústria da seca.
Cada Estado será obrigado a constituir um conselho e um órgão executor de políticas sociais, que poderá ser a Secretaria de Promoção Social ou da Agricultura. O que importa é ter um interlocutor. O passo seguinte será o treinamento de multiplicadores, como foi feito em Guariba (PI). Em cada Estado o modelo será implantado inicialmente em 20 municípios.
Para evitar manipulação política, as políticas estaduais serão acompanhadas por um representante do Fome Zero e um funcionário de carreira da Conab. Os multiplicadores serão técnicos ligados à Embrapa, Pastoral, Ministério da Educação. Graziano admite que o viés maior dos conselhos será de petistas e padres das comunidades de base, mais atuantes pela própria formação. Mas se diz surpreendido com a adesão dos evangélicos.
O diferencial será a tentativa de articular outros órgãos -públicos e privados- para ajudar a criar mercado e desenvolvimento auto-sustentado nas regiões de pobreza absoluta.
O ponto de partida será um estudo preparado pelo IFC, mapeando as maiores carências em mil cidades. Com base nesse diagnóstico, se tentará articular ONGs, empresas e governo. Em Guariba, por exemplo, as ações de sustentabilidade serão o programa da Conab, de compra antecipada de safra da agricultura familiar, e a implantação do seguro-safra especificamente para agricultura familiar no Nordeste. Em Acuan, será um projeto turístico desenvolvido pelo Ministério do Turismo com apoio do Banco Mundial.
O conceito está amadurecido. Lembro apenas que, para que a coordenação seja eficaz, será necessário ao Fome Zero montar um modelo inovador de ação institucional -do mesmo modo que foi feito no Alfabetização Solidária.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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