São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A turma do gol contra

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A economista americana Alice Amsdem, em seu livro "The Rise of The Rest" (2001), deixa claro que, já antes da crise do petróleo de 1973, o Brasil havia constituído um sistema "agressivo" de promoção das exportações. As indústrias do aço, de produtos químicos, de automóveis, de máquinas e equipamentos, que nasceram do processo de substituição de importações nos anos 40 e 50, tornaram-se, na segunda metade dos anos 60, fornecedores de produtos nos mercados externos.
Na década de 80, Amsdem constata que "sob pressão dos Estados Unidos o Brasil começou a desmontar seu sistema de promoção de exportações". No início dos anos 90, as críticas à industrialização brasileira, tangidas pelos ventos de Washington, concentraram-se na denúncia de uma suposta tendência à autarquia, à ineficiência, à falta de competitividade externa e à estatização. Nessa visão, a função do governo deveria se restringir à sustentação da estabilidade macroeconômica, evitando qualquer interferência na livre operação dos mercados.
Os arautos dessa promessa pretendiam, ademais, apresentar como virtuosa para a competitividade internacional das empresas sediadas no Brasil a combinação câmbio valorizado/juros estratosféricos/redução unilateral de tarifas. Compacta compilação de vulgaridades, essas tolices circulam hoje pelos corredores da Fazenda e do BC com ares de sabedoria. São agora retransmitidas pela rede de companheiros à esquerda e à direita -viciados em substituir a análise mais aprofundada das transformações e tendências da economia mundial por slogans ideológicos sobre a internacionalização capitalista. Contam como gol a favor os chutes que desferem contra suas próprias redes.
Nos países asiáticos, as estratégias de crescimento rápido e graduação tecnológica estiveram sempre amparadas num conjunto de políticas que envolvem relações de reciprocidade entre o Estado e o setor privado, ancoradas no suposto de que as políticas industriais e de comércio exterior devem ser previsíveis e não subordinadas ao risco de rupturas, particularmente aos azares das flutuações pronunciadas do câmbio e das taxas de juros. A imprevisibilidade e a descontinuidade das políticas criam a sensação de que as decisões de produção, de investimento e de firmar contratos de exportação estão sujeitas a prejuízos não-antecipados, por conta de alterações nas regras e oscilações bruscas nos preços cruciais -juros e câmbio. Isso é ainda mais grave numa economia de mercado periférica que pretende ampliar sua participação no comércio mundial. O desalinhamento freqüente do câmbio real e dos juros cria um estado de expectativas fatal para as decisões de investimento.
As mudanças, como demonstra a experiência asiática, sobretudo a chinesa, devem ser graduais e negociadas. Ignorar a experiência alheia, como sugeriu recentemente o presidente Lula, ao recusar comparações com a China, é tão desaconselhável quanto aceitar, sem suficiente avaliação crítica, os receituários (e elogios) proclamados pela corriola dos "desenvolvidos", sempre empenhada em ditar regras de seu interesse às demais economias do planeta.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 63, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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