São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Dólar barato freia IGP-DI, que corrige as dívidas estaduais, e SP, GO e RJ passam a se enquadrar na norma

Câmbio ajuda Estados na Lei de Responsabilidade

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mais eficiente que qualquer programa de corte de gastos ou de eficiência administrativa, o dólar barato ajudou a reduzir pela metade -de oito para quatro- o número de Estados que descumprem os limites adotados para dívidas e despesas com o funcionalismo público que haviam sido fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás deixaram no ano passado a lista dos Estados com endividamento excessivo, na qual figuravam desde 2001, quando o Senado regulamentou a lei fiscal aprovada no ano anterior e fixou como teto para as dívidas estaduais o percentual de 200% da receita.
Pelo lado dos gastos com pessoal, não há mais Estados fora do limite de 49% da receita estabelecido para os Executivos locais. A Paraíba, única da lista em 2004, conseguiu se enquadrar.

Progresso
Ainda que as finanças estaduais venham apresentando melhora gradual desde o final da década passada, é nas estatísticas de endividamento do ano passado que estão os progressos mais impressionantes. E o responsável pelo fenômeno nada tem a ver com a tão celebrada lei fiscal.
Outrora maior vilão das queixas de governadores e prefeitos que pleiteavam uma nova renegociação geral, o IGP-DI, índice que corrige as dívidas estaduais e municipais, registrou uma inflação de Primeiro Mundo em 2005: 1,22%, bem abaixo do IPCA, utilizado para as metas oficiais de inflação, de 5,69%.
Trata-se de um dos muitos benefícios da valorização cambial sobre as contas públicas. Como o IGP-DI é um índice muito afetado pelos preços no atacado e, conseqüentemente, pelas cotações do dólar, acabou registrando uma inflação que não corresponde à efetivamente sentida pelos consumidores.
Não por acaso, houve uma redução generalizada das dívidas dos Estados. Apenas o Paraná e Roraima, além do Distrito Federal, elevaram o percentual de endividamento em relação à receita -mas suas dívidas, de 122,59%, 15,37% e 32,12% da receita, respectivamente, não chegam a ser preocupantes.

Tendência
A continuar, como vem ocorrendo neste ano, a tendência de dólar barato, a lista dos Estados com dívidas superiores ao limite legal caminhará para o desaparecimento. Minas Gerais, Alagoas e Mato Grosso do Sul terminaram o ano passado com dívidas que ficavam apenas ligeiramente acima do teto.
Mesmo o Rio Grande do Sul, com endividamento equivalente a 257,79% da receita, está perto de, ao menos, se encaixar nas metas intermediárias de ajuste fiscal -que visam uma redução ano a ano das dívidas, até que seja cumprido o teto que foi estabelecido em 2016.
Entre as capitais, São Paulo permanece como a única com dívida acima do limite de 120% da receita fixado para os municípios. Mas o prefeito tucano José Serra -ironicamente, um dos maiores críticos da sobrevalorização cambial- também acabou ganhando com o dólar barato, e o endividamento da cidade registrou uma queda de 246,45% para 225,05% da receita.
Assim como as cotações do câmbio, porém, esse tipo de redução de dívidas é volátil. Basta ver o que aconteceu em 2002, quando a crise econômica e a incerteza eleitoral fizeram o dólar disparar, produziram um IGP-DI de 26,41% e elevaram de cinco para oito o número de Estados com dívidas em excesso.
"Antes, houve o desajuste, e agora, o ajuste", resume o economista Amir Khair, especializado em contas públicas e ex-secretário de Finanças paulistano (gestão Luiza Erundina, 1989-92, ainda no PT). Ou, em outras palavras, voltou-se a mais ou menos a mesma situação existente no início da aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Carga tributária
É claro que, além do efeito cambial, ajustes de despesas feitos pelos Estados também contribuíram para a melhora dos indicadores. Outra ajuda, menos digna de elogios na cartilha dos economistas liberais, veio do aumento geral da carga tributária.
Na Paraíba, por exemplo, a despesa com pessoal subiu 8,24% no ano passado, mas a arrecadação teve alta muito maior, de 24,68%. Graças a isso, os gastos com o funcionalismo caíram de 50,98% para 44,26% da receita, e o Estado deixou a lista dos descumpridores da lei fiscal.
Khair cita outra hipótese que pode explicar a redução dos gastos estaduais com pessoal nos últimos anos: a contratação de funcionários terceirizados, que, conseqüentemente, não aparecem nas estatísticas.
Se o significado econômico da melhora das contas estaduais deve ser relativizado, pelo menos um dividendo político para o governo Luiz Inácio Lula da Silva é indiscutível -acabou-se o desgaste com governadores e prefeitos que pressionavam por uma nova rodada de renegociação das dívidas estaduais.
No governo Fernando Henrique Cardoso, a União assumiu praticamente todas as dívidas dos Estados e se tornou credora deles, em condições de prazos e taxas de juros muito mais favoráveis que as anteriores.
Ainda assim, Lula assumiu a renegociação como promessa de campanha, cujo descumprimento foi anunciado logo depois da vitória nas urnas.


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