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RECEITA ORTODOXA
Companhias como AmBev e Pão de Açúcar registram em 2005 rentabilidade inferior à de títulos públicos
Juro rende mais a empresas do que produção
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nem só de recordes com exportações vive o setor produtivo nacional. Empresas de segmentos
importantes para o desenvolvimento do país apresentam realidade bem diferente e justificam a
baixa taxa de investimento no
Brasil (20% do PIB), um dos entraves para o crescimento no ano
passado.
A safra de divulgação dos balanços das companhias que têm
ações negociadas em Bolsa, que
será encerrada no mês que vem,
mostra que indústrias e empresas
do setor de serviços perderam para o mercado financeiro, em 2005,
no quesito rentabilidade.
Segundo levantamento feito pela consultoria Economática, das
104 empresas que já divulgaram
suas informações contábeis referentes ao ano passado, 52 apresentaram rentabilidade inferior à
taxa de juros paga pelo governo
nos títulos com rendimento prefixado que vencerão em 2010. Outras 4 ficaram ligeiramente acima
da taxa oferecida pelo Tesouro.
Isso justifica, em parte, a falta de
estímulo do empresariado para
investir na expansão dos negócios. Apesar de não ser o único fator considerado na hora de decidir aumentar ou não a capacidade
de produção, a rentabilidade da
empresa é sempre destacada nas
análises.
Se o retorno esperado sobre o
capital investido num determinado horizonte de tempo é menor
ou muito próximo aos juros oferecidos num título público de
mesmo prazo, é mais seguro aplicar no mercado financeiro e esperar o ganho certo do que correr o
risco de ventos e trovoadas atrapalharem os negócios.
Em 2005, o título do governo
com juros prefixados e vencimento cinco anos depois (NTNF 2010)
-prazo compatível com a maturação de um investimento de médio porte- assegurava a seu
comprador juros de 17% ao ano.
Enquanto isso, empresas como
o grupo Pão de Açúcar e a AmBev
registraram rentabilidades sobre
o patrimônio de 6,3% e de 9,1%,
respectivamente, no ano. Outras
indústrias, como a Braskem, do
setor petroquímico, e a Klabin,
uma das maiores na produção de
papéis e cartões para embalagens,
tiveram rentabilidades de 14,9% e
14,7%, respectivamente. No segmento de telefonia, a Embratel
Participações fechou o ano com
retorno de 3,9%.
Investimento maior
Não foi à toa que, no ano em que
o governo esperava fazer deslanchar a taxa de investimento privada, pouco se conseguiu avançar.
Depois do crescimento econômico de 4,9% em 2004, a expectativa de que o país tinha entrado
num ciclo de crescimento sustentável -em que é possível aumentar o consumo e a produção sem
pressão sobre os preços- animou a equipe do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Os técnicos
do governo acreditavam que 2005
seria marcado por um boom de
investimentos.
Não foi o que se verificou. Por
trás do desempenho pífio em
2005, quando a economia cresceu
2,3%, menos da metade do ano
anterior, restou uma taxa de investimento no mesmo patamar
dos tradicionais 20% da produção
nacional medida pelo PIB.
"Para o Brasil crescer a 5% ao
ano, sem risco de inflação, é preciso uma taxa de investimento de
25% do PIB", calcula José Ricardo
Roriz, diretor da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São
Paulo). "Dos dez maiores lucros
registrados, tirando Petrobras,
Vale do Rio Doce e Gerdau, o resto é tudo banco", critica.
O descompasso entre a vontade
da população de consumir e a disposição do empresariado em produzir tem se traduzido numa posição conservadora do Banco
Central na condução da política
de juros. O aperto na política monetária iniciado no final de 2004
foi uma reação ao ritmo de aquecimento da economia, considerado arriscado para a inflação.
"Erro de calibragem"
De lá para cá, a manutenção de
uma taxa muito elevada de juros
pelo BC é o primeiro fator apontado como responsável pelo cenário
ruim que se seguiu. "O governo
errou na calibragem dos juros",
diz Roriz.
"É difícil ter um retorno adequado com essa taxa de juros",
afirma Alfried Plöger, presidente
da Associação Brasileira das
Companhias Abertas (Abrasca).
Mas a taxa de juros não é o único
vilão, destaca.
Para Plöger, em 2006 dificilmente a situação do investimento
produtivo será resolvida, apesar
de a trajetória dos juros ser de
queda. Motivo: "As incertezas
com relação à sucessão presidencial. Um investimento tem maturação em, no mínimo, dois anos.
Isso inclui o horizonte do próximo governo, e a tendência do empresariado é esperar para ver o
que virá".
"Estão investindo as empresas
que têm sobra de caixa", avalia
Alexandre Bossi, sócio da
MauáInvest. Alguns grupos acabam sendo obrigados a investir
para não perder mercado para a
concorrência.
"No ramo de alimentos, por
exemplo, em que o grupo Pão de
Açúcar disputa com outras grandes redes, o risco de não investir é
ficar para trás", diz Plöger. Na última semana, o Pão de Açúcar divulgou que teve em 2005 queda de
30% no lucro em relação a 2004.
No período, os investimentos somaram R$ 842 milhões para abertura, reforma de lojas e modernização tecnológica.
Na avaliação do analista Lourenço Tigre, da MauáInvest, mesmo para empresas que têm dinheiro em caixa para investir, o
nível dos juros acaba sendo determinante porque pode destravar a
economia, permitindo o crescimento maior do PIB.
"Companhias com grande presença no mercado, como a AmBev, não têm como expandir mais
se não for com crescimento", diz.
Já em casos como os das lojas
Riachuelo e Renner, que atuam
com segmentos de renda mais
baixa, onde há demanda reprimida, segundo ele, pode haver planos de expansão mesmo com
crescimento não tão grande da
economia.
"O aumento do consumo é o
que vai ser determinante para os
investimentos neste ano", acredita o economista Nuno Câmara,
analista do Dresdner Bank em
Nova York.
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