São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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RECEITA ORTODOXA

Companhias como AmBev e Pão de Açúcar registram em 2005 rentabilidade inferior à de títulos públicos

Juro rende mais a empresas do que produção

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nem só de recordes com exportações vive o setor produtivo nacional. Empresas de segmentos importantes para o desenvolvimento do país apresentam realidade bem diferente e justificam a baixa taxa de investimento no Brasil (20% do PIB), um dos entraves para o crescimento no ano passado.
A safra de divulgação dos balanços das companhias que têm ações negociadas em Bolsa, que será encerrada no mês que vem, mostra que indústrias e empresas do setor de serviços perderam para o mercado financeiro, em 2005, no quesito rentabilidade.
Segundo levantamento feito pela consultoria Economática, das 104 empresas que já divulgaram suas informações contábeis referentes ao ano passado, 52 apresentaram rentabilidade inferior à taxa de juros paga pelo governo nos títulos com rendimento prefixado que vencerão em 2010. Outras 4 ficaram ligeiramente acima da taxa oferecida pelo Tesouro.
Isso justifica, em parte, a falta de estímulo do empresariado para investir na expansão dos negócios. Apesar de não ser o único fator considerado na hora de decidir aumentar ou não a capacidade de produção, a rentabilidade da empresa é sempre destacada nas análises.
Se o retorno esperado sobre o capital investido num determinado horizonte de tempo é menor ou muito próximo aos juros oferecidos num título público de mesmo prazo, é mais seguro aplicar no mercado financeiro e esperar o ganho certo do que correr o risco de ventos e trovoadas atrapalharem os negócios.
Em 2005, o título do governo com juros prefixados e vencimento cinco anos depois (NTNF 2010) -prazo compatível com a maturação de um investimento de médio porte- assegurava a seu comprador juros de 17% ao ano.
Enquanto isso, empresas como o grupo Pão de Açúcar e a AmBev registraram rentabilidades sobre o patrimônio de 6,3% e de 9,1%, respectivamente, no ano. Outras indústrias, como a Braskem, do setor petroquímico, e a Klabin, uma das maiores na produção de papéis e cartões para embalagens, tiveram rentabilidades de 14,9% e 14,7%, respectivamente. No segmento de telefonia, a Embratel Participações fechou o ano com retorno de 3,9%.

Investimento maior
Não foi à toa que, no ano em que o governo esperava fazer deslanchar a taxa de investimento privada, pouco se conseguiu avançar.
Depois do crescimento econômico de 4,9% em 2004, a expectativa de que o país tinha entrado num ciclo de crescimento sustentável -em que é possível aumentar o consumo e a produção sem pressão sobre os preços- animou a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os técnicos do governo acreditavam que 2005 seria marcado por um boom de investimentos.
Não foi o que se verificou. Por trás do desempenho pífio em 2005, quando a economia cresceu 2,3%, menos da metade do ano anterior, restou uma taxa de investimento no mesmo patamar dos tradicionais 20% da produção nacional medida pelo PIB.
"Para o Brasil crescer a 5% ao ano, sem risco de inflação, é preciso uma taxa de investimento de 25% do PIB", calcula José Ricardo Roriz, diretor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). "Dos dez maiores lucros registrados, tirando Petrobras, Vale do Rio Doce e Gerdau, o resto é tudo banco", critica.
O descompasso entre a vontade da população de consumir e a disposição do empresariado em produzir tem se traduzido numa posição conservadora do Banco Central na condução da política de juros. O aperto na política monetária iniciado no final de 2004 foi uma reação ao ritmo de aquecimento da economia, considerado arriscado para a inflação.

"Erro de calibragem"
De lá para cá, a manutenção de uma taxa muito elevada de juros pelo BC é o primeiro fator apontado como responsável pelo cenário ruim que se seguiu. "O governo errou na calibragem dos juros", diz Roriz.
"É difícil ter um retorno adequado com essa taxa de juros", afirma Alfried Plöger, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Mas a taxa de juros não é o único vilão, destaca.
Para Plöger, em 2006 dificilmente a situação do investimento produtivo será resolvida, apesar de a trajetória dos juros ser de queda. Motivo: "As incertezas com relação à sucessão presidencial. Um investimento tem maturação em, no mínimo, dois anos. Isso inclui o horizonte do próximo governo, e a tendência do empresariado é esperar para ver o que virá".
"Estão investindo as empresas que têm sobra de caixa", avalia Alexandre Bossi, sócio da MauáInvest. Alguns grupos acabam sendo obrigados a investir para não perder mercado para a concorrência.
"No ramo de alimentos, por exemplo, em que o grupo Pão de Açúcar disputa com outras grandes redes, o risco de não investir é ficar para trás", diz Plöger. Na última semana, o Pão de Açúcar divulgou que teve em 2005 queda de 30% no lucro em relação a 2004. No período, os investimentos somaram R$ 842 milhões para abertura, reforma de lojas e modernização tecnológica.
Na avaliação do analista Lourenço Tigre, da MauáInvest, mesmo para empresas que têm dinheiro em caixa para investir, o nível dos juros acaba sendo determinante porque pode destravar a economia, permitindo o crescimento maior do PIB.
"Companhias com grande presença no mercado, como a AmBev, não têm como expandir mais se não for com crescimento", diz.
Já em casos como os das lojas Riachuelo e Renner, que atuam com segmentos de renda mais baixa, onde há demanda reprimida, segundo ele, pode haver planos de expansão mesmo com crescimento não tão grande da economia.
"O aumento do consumo é o que vai ser determinante para os investimentos neste ano", acredita o economista Nuno Câmara, analista do Dresdner Bank em Nova York.


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