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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central na berlinda

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Estive anteontem em Brasília para participar de um seminário sobre a autonomia do Banco Central na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados. Como se sabe, o tema é quente. Extensa reportagem publicada pela Folha, na edição de ontem, à pág. B16, dá uma boa idéia das polêmicas que o assunto pode suscitar.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, abriu o debate. Mencionou a conveniência de conceder autonomia ao Banco Central sem especificar, entretanto, que formato específico deveria tomar essa autonomia. Ficou, certamente, constrangido de advogar em causa própria.
É natural. Pelo que se sabe, a autonomia consistiria, essencialmente, em dar mandatos fixos e longos ao próprio Meirelles e aos demais diretores do Banco Central. Estaríamos, em outras palavras, garantindo estabilidade no emprego às autoridades monetárias -exatamente aquilo que elas negam a boa parte dos brasileiros com o seu apego, que já começa a parecer dogmático, a uma política de juros extraordinariamente elevados.
Essa intransigência do comando do Banco Central, diga-se de passagem, só aumentará a resistência social e política à proposta de autonomia. O próprio presidente da República já deve estar com a pulga atrás da orelha. Já terá percebido que os juros altos, a recessão e o desemprego serão cada vez mais debitados ao seu governo, por mais que se tente explicar à opinião pública que a política monetária depende dos critérios "técnicos" do Banco Central.
Em sua palestra, Meirelles afirmou que "nenhuma autoridade monetária do mundo pode agir de forma política, qualquer que seja a sua decisão". Segundo ele, os bancos centrais atuam "no espaço da técnica e da racionalidade econômicas".
Fez essas e outras considerações do mesmo teor e, em seguida, retirou-se prudentemente, antes que nós, demais expositores, pudéssemos abrir a boca.
Ainda bem. Uma autoridade monetária já tem tantos dissabores. Por que submetê-la ao constrangimento de ouvir e ter que responder a críticas e discordâncias?
Sabemos, também, que a sutileza nem sempre é o forte dos banqueiros centrais ou privados. Mesmo assim, será que é necessário apresentar uma versão tão simplificada e caricata da natureza dos bancos centrais? No Brasil, o debate econômico é pobre, como lembrou recentemente o ministro Palocci. Mas também há adultos por aqui. E esses ficam ressentidos quando se lhes apresenta uma versão Walt Disney de questões controvertidas.
Na realidade, todos os bancos centrais seguem critérios técnicos e políticos. Nem poderia ser diferente. O banco central é, como indica o seu nome, uma instituição de importância central. As suas decisões costumam afetar a economia no seu conjunto e têm implicações sociais e políticas. A condução da política monetária pode, para bem ou para mal, selar a sorte de um governo.
Daí a importância de assegurar que o Banco Central atue de forma coordenada com o resto do governo, em sintonia com as políticas executadas pelo Ministério da Fazenda e outros ministérios.
Quanto ao suposto "espaço da técnica e da racionalidade econômicas", só os economistas conhecem (mas nem sempre revelam) as incertezas, dúvidas e inseguranças que habitam esse espaço. É um espaço indefinido, cujas fronteiras são difíceis de demarcar com precisão. Devo dizer que, em toda a minha vida profissional, nunca encontrei um problema relevante que fosse puramente técnico ou econômico.
Nas suas variantes mais simplistas, a proposta de autonomia do Banco Central visa criar as condições para que a política monetária possa operar numa espécie de vácuo político. A idéia é criar um cordão sanitário que proteja a pretensa racionalidade monetária do mundo impuro da política.
É uma ilusão, evidentemente. Mas não é uma ilusão inocente. Existe aqui uma pequena dificuldade, entre outras: o mundo da política é, também, o mundo das eleições. Nesse mundo imperfeito, os eleitores fazem as suas escolhas. Podem, por exemplo, votar por uma mudança da orientação econômica. Ou não?
Essa pequena dificuldade fornece uma pista para entender por que o tema da autonomia do Banco Central ressurgiu no passado recente. Como afirmou o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni, também presente no seminário da Câmara dos Deputados, "a autonomia do Banco Central tem sido adotada para conciliar as escolhas eleitorais com a continuidade das políticas macroeconômicas".
A frase talvez ficasse ainda mais verdadeira se substituíssemos "conciliar" por "subordinar".


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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