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OPINIÃO ECONÔMICA
O Banco Central na berlinda
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Estive anteontem em Brasília para participar de um
seminário sobre a autonomia do
Banco Central na Comissão de
Economia da Câmara dos Deputados. Como se sabe, o tema é
quente. Extensa reportagem publicada pela Folha, na edição de
ontem, à pág. B16, dá uma boa
idéia das polêmicas que o assunto
pode suscitar.
O presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, abriu o debate. Mencionou a conveniência de
conceder autonomia ao Banco
Central sem especificar, entretanto, que formato específico deveria
tomar essa autonomia. Ficou,
certamente, constrangido de advogar em causa própria.
É natural. Pelo que se sabe, a
autonomia consistiria, essencialmente, em dar mandatos fixos e
longos ao próprio Meirelles e aos
demais diretores do Banco Central. Estaríamos, em outras palavras, garantindo estabilidade no
emprego às autoridades monetárias -exatamente aquilo que
elas negam a boa parte dos brasileiros com o seu apego, que já começa a parecer dogmático, a uma
política de juros extraordinariamente elevados.
Essa intransigência do comando do Banco Central, diga-se de
passagem, só aumentará a resistência social e política à proposta
de autonomia. O próprio presidente da República já deve estar
com a pulga atrás da orelha. Já terá percebido que os juros altos, a
recessão e o desemprego serão cada vez mais debitados ao seu governo, por mais que se tente explicar à opinião pública que a política monetária depende dos critérios "técnicos" do Banco Central.
Em sua palestra, Meirelles afirmou que "nenhuma autoridade
monetária do mundo pode agir
de forma política, qualquer que
seja a sua decisão". Segundo ele,
os bancos centrais atuam "no espaço da técnica e da racionalidade econômicas".
Fez essas e outras considerações
do mesmo teor e, em seguida, retirou-se prudentemente, antes que
nós, demais expositores, pudéssemos abrir a boca.
Ainda bem. Uma autoridade
monetária já tem tantos dissabores. Por que submetê-la ao constrangimento de ouvir e ter que
responder a críticas e discordâncias?
Sabemos, também, que a sutileza nem sempre é o forte dos banqueiros centrais ou privados.
Mesmo assim, será que é necessário apresentar uma versão tão
simplificada e caricata da natureza dos bancos centrais? No Brasil,
o debate econômico é pobre, como lembrou recentemente o ministro Palocci. Mas também há
adultos por aqui. E esses ficam
ressentidos quando se lhes apresenta uma versão Walt Disney de
questões controvertidas.
Na realidade, todos os bancos
centrais seguem critérios técnicos
e políticos. Nem poderia ser diferente. O banco central é, como indica o seu nome, uma instituição
de importância central. As suas
decisões costumam afetar a economia no seu conjunto e têm implicações sociais e políticas. A
condução da política monetária
pode, para bem ou para mal, selar
a sorte de um governo.
Daí a importância de assegurar
que o Banco Central atue de forma coordenada com o resto do
governo, em sintonia com as políticas executadas pelo Ministério
da Fazenda e outros ministérios.
Quanto ao suposto "espaço da
técnica e da racionalidade econômicas", só os economistas conhecem (mas nem sempre revelam)
as incertezas, dúvidas e inseguranças que habitam esse espaço. É
um espaço indefinido, cujas fronteiras são difíceis de demarcar
com precisão. Devo dizer que, em
toda a minha vida profissional,
nunca encontrei um problema relevante que fosse puramente técnico ou econômico.
Nas suas variantes mais simplistas, a proposta de autonomia
do Banco Central visa criar as
condições para que a política monetária possa operar numa espécie de vácuo político. A idéia é
criar um cordão sanitário que
proteja a pretensa racionalidade
monetária do mundo impuro da
política.
É uma ilusão, evidentemente.
Mas não é uma ilusão inocente.
Existe aqui uma pequena dificuldade, entre outras: o mundo da
política é, também, o mundo das
eleições. Nesse mundo imperfeito,
os eleitores fazem as suas escolhas. Podem, por exemplo, votar
por uma mudança da orientação
econômica. Ou não?
Essa pequena dificuldade fornece uma pista para entender por
que o tema da autonomia do
Banco Central ressurgiu no passado recente. Como afirmou o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni, também presente no
seminário da Câmara dos Deputados, "a autonomia do Banco
Central tem sido adotada para
conciliar as escolhas eleitorais
com a continuidade das políticas
macroeconômicas".
A frase talvez ficasse ainda mais
verdadeira se substituíssemos
"conciliar" por "subordinar".
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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