UOL


São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Sejamos todos burros

Do leitor Marcos Köhler:
"Caro Luís Nassif, a sua coluna de hoje aborda com muita propriedade a extrema politização, disfarçada de tecnicismo, que os profetas dos juros altos vêm impondo à política monetária no Brasil. (...) Um exemplo disso foi o artigo do professor José Márcio Camargo publicado na Folha. A quantidade de falácias, meias verdades e distorções grotescas é assustadora (...)
Camargo: "O problema é que a taxa de inflação ao nível do consumidor (IPCA) continua relativamente elevada, próxima de 1% ao mês. Isso indica uma taxa anual da ordem de 15%. Bastante alta".
O IPCA de abril foi de 0,97%. Isso significa uma inflação instantânea anualizada de 12,28%, e não "da ordem" de 15%. Só essa diferença permitiria reduzir a taxa a 24% (nota: o IPCA de maio, divulgado um dia após o artigo de Camargo, foi de 0,61%, ou 7.8% anualizado).
Dizer que uma taxa anual da ordem de 15% é "bastante alta" não significa rigorosamente nada em termos do debate relevante, que é o relativo à trajetória da inflação (descendente) e da taxa de juros real praticada. Mesmo admitido o erro de considerar o índice instantâneo anualizado como estando na faixa de 15%, ainda assim a taxa de juros real estaria em 11,24%!
Camargo: "A questão a ser respondida é: por que a inércia inflacionária tem se mostrado tão mais resistente neste episódio inflacionário de 2003 se comparado, por exemplo, ao episódio da crise cambial de 1999? A resposta está, muito provavelmente, ligada a expectativas".
Apesar de a resposta estar apenas "muito provavelmente ligada a expectativas", o rigor técnico do professor não parou por aí. Ao que parece, criou um modelo para mensurar essas expectativas e colocá-las num algoritmo para determinar uma taxa de juros condizente para neutralizar essas mesmas expectativas "inflacionárias". E a resposta, depois de utilizar tamanha sofisticação analítica e quantitativa, foi a seguinte: "[a inflação deve cair] abaixo de 0,5% ao mês, por exemplo". Note bem: por exemplo.
Camargo: "Somente a persistência de uma política monetária dura será capaz de quebrar as expectativas e derrotar a inércia. E isso significa esperar que a inflação caia a níveis mais confortáveis (abaixo de 0,5% ao mês, por exemplo) antes de reduzir os juros".
Eu gostaria muito de conhecer o modelo econométrico criado pelo professor, que toma as expectativas como variável independente, não só pela sua acuidade mas também por, aparentemente, estar trazendo uma novidade técnica notável no campo da economia quantitativa: o seu modelo parece ser quântico, vale dizer, se a inflação cair para, digamos, 0,60% ao mês, a taxa Selic deverá manter-se no mesmo nível. O gatilho do modelo econométrico-quântico só dispara aos saltos, da mesma forma que um elétron só muda de órbita mediante quantas inteiros de energia.
Diante disso tudo, me lembrei do famoso conselho que Nelson Rodrigues dava insistentemente ao seu amigo Hélio Pellegrino: "Seja burro, Hélio, seja burro'".

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Ano do dragão: Inflação fica abaixo do esperado em SP
Próximo Texto: Integração: Lula e Kirchner querem os países andinos no Mercosul
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.