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LUÍS NASSIF
Sejamos todos burros
Do leitor Marcos Köhler:
"Caro Luís Nassif, a sua
coluna de hoje aborda com muita propriedade a extrema politização, disfarçada de tecnicismo,
que os profetas dos juros altos
vêm impondo à política monetária no Brasil. (...) Um exemplo
disso foi o artigo do professor José Márcio Camargo publicado
na Folha. A quantidade de falácias, meias verdades e distorções
grotescas é assustadora (...)
Camargo: "O problema é que
a taxa de inflação ao nível do
consumidor (IPCA) continua
relativamente elevada, próxima
de 1% ao mês. Isso indica uma
taxa anual da ordem de 15%.
Bastante alta".
O IPCA de abril foi de 0,97%.
Isso significa uma inflação instantânea anualizada de
12,28%, e não "da ordem" de
15%. Só essa diferença permitiria reduzir a taxa a 24% (nota:
o IPCA de maio, divulgado um
dia após o artigo de Camargo,
foi de 0,61%, ou 7.8% anualizado).
Dizer que uma taxa anual da
ordem de 15% é "bastante alta"
não significa rigorosamente nada em termos do debate relevante, que é o relativo à trajetória da inflação (descendente) e
da taxa de juros real praticada.
Mesmo admitido o erro de considerar o índice instantâneo
anualizado como estando na
faixa de 15%, ainda assim a taxa de juros real estaria em
11,24%!
Camargo: "A questão a ser respondida é: por que a inércia inflacionária tem se mostrado tão
mais resistente neste episódio
inflacionário de 2003 se comparado, por exemplo, ao episódio
da crise cambial de 1999? A resposta está, muito provavelmente, ligada a expectativas".
Apesar de a resposta estar
apenas "muito provavelmente
ligada a expectativas", o rigor
técnico do professor não parou
por aí. Ao que parece, criou um
modelo para mensurar essas expectativas e colocá-las num algoritmo para determinar uma
taxa de juros condizente para
neutralizar essas mesmas expectativas "inflacionárias". E a resposta, depois de utilizar tamanha sofisticação analítica e
quantitativa, foi a seguinte: "[a
inflação deve cair] abaixo de
0,5% ao mês, por exemplo". Note
bem: por exemplo.
Camargo: "Somente a persistência de uma política monetária dura será capaz de quebrar
as expectativas e derrotar a
inércia. E isso significa esperar
que a inflação caia a níveis mais
confortáveis (abaixo de 0,5% ao
mês, por exemplo) antes de reduzir os juros".
Eu gostaria muito de conhecer
o modelo econométrico criado
pelo professor, que toma as expectativas como variável independente, não só pela sua acuidade mas também por, aparentemente, estar trazendo uma
novidade técnica notável no
campo da economia quantitativa: o seu modelo parece ser
quântico, vale dizer, se a inflação cair para, digamos, 0,60%
ao mês, a taxa Selic deverá
manter-se no mesmo nível. O
gatilho do modelo econométrico-quântico só dispara aos saltos, da mesma forma que um
elétron só muda de órbita mediante quantas inteiros de energia.
Diante disso tudo, me lembrei
do famoso conselho que Nelson
Rodrigues dava insistentemente
ao seu amigo Hélio Pellegrino:
"Seja burro, Hélio, seja burro'".
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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