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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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Diplomacia de Powell não impressiona América Latina

GUY DINMORE
DO "FINANCIAL TIMES", EM SANTIAGO

"Jardinagem diplomática." Foi essa a forma como o secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, descreveu sua visita à Argentina, na terça-feira. Do ponto de vista latino-americano, a opinião é a de que os EUA precisarão se esforçar muito mais.
Os problemas da América Latina são mais antigos e vão mais fundo do que a simples insatisfação pública com relação à guerra norte-americana no Iraque e a recusa do Chile e do México em apoiar uma resolução dos EUA para autorizar a guerra, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
Resumindo de maneira simples, como explicou o embaixador de um país do Caribe durante a assembléia geral anual da OEA (Organização dos Estados Americanos), na segunda-feira, em Santiago: a região se sentiu abandonada pelos EUA depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e teve de pagar o preço dessa negligência.
"Não haverá aceitação incondicional das propostas americanas", disse o embaixador quanto aos esforços de Powell para reparar os danos diplomáticos e sobre o pedido dele de pressão coordenada para que Cuba acelere sua transição democrática.
Em conversa com repórteres, um importante funcionário da OEA, que pediu para não ser identificado, expressou frustração quanto à maneira pela qual os EUA e o FMI "trataram equivocadamente" as crises políticas e econômicas na região durante os últimos dois anos.
O funcionário acusou o ex-secretário do Tesouro norte-americano Paul O'Neill de fazer declarações "ofensivas" e "estúpidas" sobre o Brasil e a Argentina, que causaram "danos substanciais".
O envio pelos EUA de um funcionário de cargo relativamente insignificante à posse de Néstor Kirchner reforçou a sensação de que a região vem sendo ignorada e caiu em desgraça. "Os EUA precisam compreender que essa política de distanciamento não funcionou. Eles têm de ajudar mais", comentou o alto funcionário.
A renda per capita latino-americana está estagnada desde 1998, o desemprego atinge níveis recordes e a economia da região já contraiu cerca de 1% neste ano. "Há o perigo de que, caso as economias fracassem, as pessoas procurem soluções distantes das vias democráticas", disse Bill Graham, ministro do Exterior do Canadá.
César Gaviria, secretário-geral da OEA, abriu a sessão com um alerta: a instabilidade e fuga de capitais -"a característica mais indesejável da globalização"- eram "o maior obstáculo" à democracia na região.

Cicatrização
Uma conferência de cúpula das Américas, que será realizada neste ano no México, tratará da pobreza e da crise econômica.
A decisão do presidente George W. Bush de comparecer foi descrita por um embaixador como parte do "processo de cicatrização" entre os EUA e a América Latina, especialmente porque o anfitrião será o presidente do México, Vicente Fox, cuja relação -um dia íntima com Bush- se deteriorou seriamente depois de setembro de 2001.
O Conselho sobre Assuntos Hemisféricos, uma organização independente, disse que o governo de Ricardo Lagos, no Chile, praticamente "rastejou" em seus esforços por receber Powell, depois da assinatura de um acordo de livre comércio entre o Chile e os EUA na semana passada.
Mas o grupo duvida que as relações com o México possam ser reparadas com igual rapidez, devido à má vontade gerada pelo insucesso na conclusão de um acordo que tinha por objetivo regularizar a situação de milhares de imigrantes mexicanos nos EUA. O acordo proposto foi vítima das preocupações de segurança que surgiram nos EUA depois dos ataques terroristas.
A entidade disse que prevê o surgimento de divisões acentuadas entre "um crescente bloco político de líderes sul-americanos de centro-esquerda liderado por Lula, fortemente orientado ao multilateralismo e a uma política social progressista, e o governo Bush, unilateralista e defensor do livre comércio".


Tradução de Paulo Migliacci


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