São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Sorry, centro


Enquanto o Brasil continua bem cotado, instituições americanas e européias amargam grandes prejuízos

ESTOU EM apuros, outra vez. Brasileiro faz tudo na última hora. Neste instante, são 17h45 da quarta-feira (ontem). Como a Folha é implacável nos horários, tenho pouquíssimo tempo para escrever. Não me sobra outra alternativa senão falar do quadro internacional e do FMI. Calma, leitor, não pare de ler. Vou tratar do Brasil também. Brasileiro, bem sei, só quer saber do Brasil -é a síndrome de país-continente.
Não sei se o leitor se dá conta da singularidade da situação que estamos vivendo desde que estourou a crise do "subprime". Um aspecto que salta aos olhos é a extraordinária resistência dos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, à crise nos sistemas financeiros dos EUA e da Europa.
É claro que há impactos negativos, nos planos comercial e financeiro. Mas a novidade é que até agora, transcorrido quase um ano, a crise não se propagou do centro para a periferia da economia mundial. Repare, leitor, que estamos falando de uma crise financeira considerada por diversos analistas como a mais grave desde a Segunda Guerra. Antigamente, se dizia: quando os EUA espirram, a América Latina pega pneumonia. Agora, os EUA pegam pneumonia e a América Latina nem espirra?!
Naturalmente, países geograficamente mais próximos dos EUA tendem a sofrer mais (México, América Central e Caribe). Mas, na América do Sul, a resistência é maior (os problemas econômicos de alguns países sul-americanos importantes são basicamente "home-made" e não podem ser debitados à crise do "subprime").
O Brasil continua com cotação muito boa. Enquanto isso, grandes instituições norte-americanas e européias ainda estão amargando prejuízos e humilhações. A Standard & Poor's, a primeira agência a dar o "investment grade" ao Brasil, rebaixou na semana passada a classificação de bancos importantes como Lehman Brothers, Merrill Lynch e Morgan Stanley.
Aqui no Fundo, persiste um quadro de escassez de clientes. Alguns pensaram que a crise desequilibraria os países em desenvolvimento e colocaria o FMI "back in business" como emprestador. Ainda não aconteceu. Em junho de 2007, logo antes do início da crise, existiam oito programas financeiros (quase todos "stand-by arrangements") -o mais importante era o acordo com a Turquia. Em junho de 2008, o número de programas continua o mesmo -mas com as seguintes diferenças. Dois países iniciaram acordos tipo "stand-by": Honduras e Libéria. Mas terminaram os dois acordos que eram os mais importantes em termos de desembolso -Turquia e República Dominicana. E esses países ainda não indicaram a intenção de solicitar um novo programa com o Fundo.
Além disso, diminuiu no último ano o número de programas destinados exclusivamente a países de baixa renda. Em junho de 2007 eram 28 acordos; hoje, são 23.
Essa resistência da periferia e dos emergentes ainda está por ser explicada adequadamente. Mas parece claro que o fortalecimento da política econômica e, em especial, do setor externo das economias periféricas é um elemento importante dessa explicação. Balanços de pagamento superavitários e reservas elevadas deram a muitos países condições de fazer face às turbulências no centro do sistema internacional.
"Sorry, periferia", costumava dizer o Ibrahim Sued. Se fosse vivo, o célebre colunista social teria de modificar o seu bordão.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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