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SALTO NO ESCURO
Para diretor da ANP, a não-premiação a todos os que pouparam mais que a meta cria frustração na sociedade
Zylbersztajn condena restrição para bônus
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Na semana que vem, o diretor-geral da ANP (Agência Nacional
do Petróleo), David Zylbersztajn,
47, irá definir com o presidente
Fernando Henrique Cardoso, seu
ex-sogro, até quando irá permanecer no cargo. Ele irá deixar o
cargo provavelmente em novembro, depois de um período de férias. Ele não tem planos para o futuro. Só garante que não pretende
disputar eleições, apesar dos convites que tem recebido.
Um dos mentores do plano de
racionamento, Zylbersztajn considerou que a possibilidade de o
governo não pagar o bônus pode
frustrar a sociedade. Para ele, o
plano tem um componente sociológico importante. "E o presidente é um sociólogo." Ele se recusou
a falar sobre vida pessoal. E garantiu que voltará à vida pública.
Nesta entrevista, Zylbersztajn
fala dos maiores problemas que
enfrentou nos seus três anos e
meio à frente da ANP. Ele diz, por
exemplo, que sofreu ameaças de
morte, pressões de políticos para
manter o subsídio do álcool e revela que o relatório feito pela ANP
em conjunto com a Marinha sobre o afundamento da plataforma
P-36 sofreu mudanças antes de
ser divulgado. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - O sr. acha justo o governo
não pagar o bônus a quem poupar
mais que a meta de consumo?
David Zylbersztajn - Não houve
propriamente um descumprimento das regras por parte do governo. O bônus dependia da arrecadação da sobretaxa e não houve
caixa para isso. Não resta dúvida
de que isso criou uma frustração
enorme para a sociedade. Esse era
o espírito que, desde o início, norteou o plano de racionamento. O
de premiar quem economizar
energia e punir aquele que não
economizar. O plano também
trata do imaginário da sociedade.
Esse programa tem uma vertente
sociológica importante e isso não
pode ser desprezado. E o presidente é um sociólogo.
Folha - De quem é a culpa do racionamento?
Zylbersztajn - Dos órgãos do setor energético de maneira geral.
Folha - Do Ministério de Minas e
Energia?
Zylbersztajn - De todo mundo.
Folha - Do senhor, por exemplo?
Zylbersztajn - Eu não. Felizmente não tenho nada a ver com isso.
Não estou tirando o corpo fora.
Pelo contrário, eu botei o corpo
dentro e até me sujeitei a apanhar
por causa disso.
Folha - De quem é a culpa, então?
Zylbersztajn - Da Aneel, do ONS,
do Ministério de Minas e Energia.
Faltou integração dessas áreas e
houve erro de previsão. Houve
uma certa confiança na possibilidade de chuva e ela não ocorreu.
Folha - Apesar de todos os erros,
o plano foi bem-sucedido?
Zylbersztajn - Em primeiro lugar, a sociedade está vendo resultado. O Brasil cresceu com essa
crise. Uma crise dessa dimensão
muda a cabeça das pessoas, muda
os hábitos. É claro que as concessionárias não gostam dessa conversa. Elas perdem faturamento.
O mais importante é que, quando
começam a chegar as primeiras
avaliações, se vê que, mesmo para
a indústria, o resultado não foi tão
dramático assim. Imaginava-se o
caos total.
Folha - É, mas a popularidade do
presidente despencou.
Zylbersztajn - Claro. Tudo o que
acontece de errado no governo, a
culpa, para a sociedade, é do presidente. Ele representa o governo,
mas ninguém tinha noção da profundidade do problema. Quando
ele disse que não sabia, o que
aconteceu é que havia rumores do
problema, mas não na gravidade
que se verificou.
Folha - Nesses três anos e meio de
ANP, qual foi seu maior problema?
A Petrobras?
Zylbersztajn - A Petrobras detinha um monopólio absoluto. Obviamente a maior afetada com a
criação da agência foi a Petrobras.
Folha - Como o sr. classifica essa
resistência?
Zylbersztajn - Na minha opinião, é corporativa. Essencialmente corporativa.
Folha - O sr. chegou a ter alguma
discussão ríspida...
Zylbersztajn - Diversas. Foram
muitas delas. O principal problema foi na área de gás. Não era
uma coisa do tipo "vamos arrebentar o monopólio". A gente não
fez nada em desacordo com a lei
ou que deliberadamente prejudicasse a Petrobras. Agora, não admitimos o privilégio.
Folha - Seria melhor se a Petrobras fosse privada?
Zylbersztajn - Eu acho essa discussão extemporânea agora. Se
essa discussão ocorrer, quando
ela ocorrer, ela virá naturalmente.
Não temos ainda um mercado
maduro ou avançado de modo a
não corrermos o risco de passarmos de um monopólio estatal para um monopólio privado. Nenhum dos dois é bom, mas um é
menos ruim do que o outro. Não
que o estatal seja melhor, é que na
situação atual ele é menos ruim.
Num mercado efetivamente concorrencial, aí esse debate vai aflorar naturalmente, mas sem açodamento, sem pressa. Eu acho
que o mais importante é criar o
mercado.
Folha - O relatório da ANP sobre o
afundamento da P-36 frustrou as
expectativas. Esperava-se que fosse mais duro com a Petrobras?
Zylbersztajn - Quem fizer uma
leitura mais cuidadosa do relatório verá que está tudo lá. Não era a
intenção fulanizar. A gente apurou as causas e os incidentes que
levaram ao afundamento. O relatório não omite nada. Ele não diz
que ninguém teve culpa. Ele é
uma peça, na minha opinião,
muito dura. Ele só não diz que o
culpado foi fulano de tal.
Folha - Houve uma primeira versão que depois foi alterada?
Zylbersztajn - O que se evitou foi
colocar palavras. O relatório foi
feito de maneira muito cuidadosa
para não adjetivar. Houve uma
versão anterior, mas as alterações
que sofreu não foram alterações
de fundo. O relatório foi lustrado,
vamos dizer assim. A comissão
decidiu fazer uma leitura no fim
de semana. Foi absolutamente
uma questão de forma, zero de
mudança de conteúdo.
Folha - O sr. sofreu ameaça de
morte ao combater a fraude nos
combustíveis?
Zylbersztajn - Sofri, mas ultimamente não. Falaram em eliminação física. Foi assim, dessa forma
sutil. Eles ligaram para a casa dos
meus pais e deixaram o recado.
Isso tem um ano e meio, dois
anos.
Folha - Ao reduzir o subsídio do
álcool, o sr. recebeu pressão dos
políticos para voltar atrás?
Zylbersztajn - Sim, essa foi outra
confusão sem tamanho.
Folha - De que políticos?
Zylbersztajn - De tudo que é tipo
que se possa imaginar. Eu não
vou citar nomes porque vou esquecer alguns. Só posso dizer que
o presidente não falou comigo sobre isso.
Folha - Mas o vice-presidente
[Marcos Maciel" é nordestino.
Zylbersztajn - É, mas ele é muito
discreto. Ele não mistura canal.
Ele me ligou uma vez só para saber qual era a situação. Mas nunca
me fez nenhum pedido explícito,
nada. Ele ligou para saber qual era
a situação porque deveria estar
sendo pressionado também. Ele
queria saber o que ocorria. Eu expliquei e ficou nisso.
Folha - E o subsídio acabou?
Zylbersztajn - Não, não acabou,
não. Existe um buraco negro nessa história ai. A gente está jogando
muito com o pessoal do Ministério Público de Pernambuco. Enquanto não tiver segurança quanto ao destino efetivo do dinheiro,
eu não assino.
Folha - E espera que o sucessor do
senhor também não assine...
Zylbersztajn - Se for justo, espero
que assine. Também se for justo,
eu assino.
Folha - Há o risco de seu sucessor
ser um político?
Zylbersztajn - Essa não é uma cadeira política. Eu acho que político é bom para mandato eletivo,
não para mandato numa agência.
Acho que ouviram falar em mandato e gostaram da idéia, mas são
duas coisas diferentes.
Folha - O sr. tem recebido alguns
convites para disputar um cargo
político?
Zylbersztajn - Tenho, mas tenho
agradecido e recusado todos. Já tive esses planos. Agora, não tenho
mais.
Folha - O sr. vai sentir falta da
ANP?
Zylbersztajn - Vou sentir, claro.
A ANP não é filha bastarda. Ela
tem um monte de pais e eu sou
um deles. É um projeto que deu
certo, na minha opinião. Mas um
dia eu volto para a vida pública.
Eu gosto. Agora, eu preciso dar
uma arejada.
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