São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2001

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SALTO NO ESCURO

Para diretor da ANP, a não-premiação a todos os que pouparam mais que a meta cria frustração na sociedade

Zylbersztajn condena restrição para bônus

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Na semana que vem, o diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), David Zylbersztajn, 47, irá definir com o presidente Fernando Henrique Cardoso, seu ex-sogro, até quando irá permanecer no cargo. Ele irá deixar o cargo provavelmente em novembro, depois de um período de férias. Ele não tem planos para o futuro. Só garante que não pretende disputar eleições, apesar dos convites que tem recebido.
Um dos mentores do plano de racionamento, Zylbersztajn considerou que a possibilidade de o governo não pagar o bônus pode frustrar a sociedade. Para ele, o plano tem um componente sociológico importante. "E o presidente é um sociólogo." Ele se recusou a falar sobre vida pessoal. E garantiu que voltará à vida pública.
Nesta entrevista, Zylbersztajn fala dos maiores problemas que enfrentou nos seus três anos e meio à frente da ANP. Ele diz, por exemplo, que sofreu ameaças de morte, pressões de políticos para manter o subsídio do álcool e revela que o relatório feito pela ANP em conjunto com a Marinha sobre o afundamento da plataforma P-36 sofreu mudanças antes de ser divulgado. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - O sr. acha justo o governo não pagar o bônus a quem poupar mais que a meta de consumo?
David Zylbersztajn -
Não houve propriamente um descumprimento das regras por parte do governo. O bônus dependia da arrecadação da sobretaxa e não houve caixa para isso. Não resta dúvida de que isso criou uma frustração enorme para a sociedade. Esse era o espírito que, desde o início, norteou o plano de racionamento. O de premiar quem economizar energia e punir aquele que não economizar. O plano também trata do imaginário da sociedade. Esse programa tem uma vertente sociológica importante e isso não pode ser desprezado. E o presidente é um sociólogo.

Folha - De quem é a culpa do racionamento?
Zylbersztajn -
Dos órgãos do setor energético de maneira geral.

Folha - Do Ministério de Minas e Energia?
Zylbersztajn -
De todo mundo.

Folha - Do senhor, por exemplo?
Zylbersztajn
- Eu não. Felizmente não tenho nada a ver com isso. Não estou tirando o corpo fora. Pelo contrário, eu botei o corpo dentro e até me sujeitei a apanhar por causa disso.

Folha - De quem é a culpa, então?
Zylbersztajn -
Da Aneel, do ONS, do Ministério de Minas e Energia. Faltou integração dessas áreas e houve erro de previsão. Houve uma certa confiança na possibilidade de chuva e ela não ocorreu.

Folha - Apesar de todos os erros, o plano foi bem-sucedido?
Zylbersztajn -
Em primeiro lugar, a sociedade está vendo resultado. O Brasil cresceu com essa crise. Uma crise dessa dimensão muda a cabeça das pessoas, muda os hábitos. É claro que as concessionárias não gostam dessa conversa. Elas perdem faturamento. O mais importante é que, quando começam a chegar as primeiras avaliações, se vê que, mesmo para a indústria, o resultado não foi tão dramático assim. Imaginava-se o caos total.

Folha - É, mas a popularidade do presidente despencou.
Zylbersztajn -
Claro. Tudo o que acontece de errado no governo, a culpa, para a sociedade, é do presidente. Ele representa o governo, mas ninguém tinha noção da profundidade do problema. Quando ele disse que não sabia, o que aconteceu é que havia rumores do problema, mas não na gravidade que se verificou.

Folha - Nesses três anos e meio de ANP, qual foi seu maior problema? A Petrobras?
Zylbersztajn -
A Petrobras detinha um monopólio absoluto. Obviamente a maior afetada com a criação da agência foi a Petrobras.

Folha - Como o sr. classifica essa resistência?
Zylbersztajn -
Na minha opinião, é corporativa. Essencialmente corporativa.

Folha - O sr. chegou a ter alguma discussão ríspida...
Zylbersztajn -
Diversas. Foram muitas delas. O principal problema foi na área de gás. Não era uma coisa do tipo "vamos arrebentar o monopólio". A gente não fez nada em desacordo com a lei ou que deliberadamente prejudicasse a Petrobras. Agora, não admitimos o privilégio.

Folha - Seria melhor se a Petrobras fosse privada?
Zylbersztajn -
Eu acho essa discussão extemporânea agora. Se essa discussão ocorrer, quando ela ocorrer, ela virá naturalmente. Não temos ainda um mercado maduro ou avançado de modo a não corrermos o risco de passarmos de um monopólio estatal para um monopólio privado. Nenhum dos dois é bom, mas um é menos ruim do que o outro. Não que o estatal seja melhor, é que na situação atual ele é menos ruim. Num mercado efetivamente concorrencial, aí esse debate vai aflorar naturalmente, mas sem açodamento, sem pressa. Eu acho que o mais importante é criar o mercado.

Folha - O relatório da ANP sobre o afundamento da P-36 frustrou as expectativas. Esperava-se que fosse mais duro com a Petrobras?
Zylbersztajn -
Quem fizer uma leitura mais cuidadosa do relatório verá que está tudo lá. Não era a intenção fulanizar. A gente apurou as causas e os incidentes que levaram ao afundamento. O relatório não omite nada. Ele não diz que ninguém teve culpa. Ele é uma peça, na minha opinião, muito dura. Ele só não diz que o culpado foi fulano de tal.

Folha - Houve uma primeira versão que depois foi alterada?
Zylbersztajn -
O que se evitou foi colocar palavras. O relatório foi feito de maneira muito cuidadosa para não adjetivar. Houve uma versão anterior, mas as alterações que sofreu não foram alterações de fundo. O relatório foi lustrado, vamos dizer assim. A comissão decidiu fazer uma leitura no fim de semana. Foi absolutamente uma questão de forma, zero de mudança de conteúdo.

Folha - O sr. sofreu ameaça de morte ao combater a fraude nos combustíveis?
Zylbersztajn -
Sofri, mas ultimamente não. Falaram em eliminação física. Foi assim, dessa forma sutil. Eles ligaram para a casa dos meus pais e deixaram o recado. Isso tem um ano e meio, dois anos.

Folha - Ao reduzir o subsídio do álcool, o sr. recebeu pressão dos políticos para voltar atrás?
Zylbersztajn -
Sim, essa foi outra confusão sem tamanho.

Folha - De que políticos?
Zylbersztajn -
De tudo que é tipo que se possa imaginar. Eu não vou citar nomes porque vou esquecer alguns. Só posso dizer que o presidente não falou comigo sobre isso.

Folha - Mas o vice-presidente [Marcos Maciel" é nordestino.
Zylbersztajn -
É, mas ele é muito discreto. Ele não mistura canal. Ele me ligou uma vez só para saber qual era a situação. Mas nunca me fez nenhum pedido explícito, nada. Ele ligou para saber qual era a situação porque deveria estar sendo pressionado também. Ele queria saber o que ocorria. Eu expliquei e ficou nisso.

Folha - E o subsídio acabou?
Zylbersztajn -
Não, não acabou, não. Existe um buraco negro nessa história ai. A gente está jogando muito com o pessoal do Ministério Público de Pernambuco. Enquanto não tiver segurança quanto ao destino efetivo do dinheiro, eu não assino.

Folha - E espera que o sucessor do senhor também não assine...
Zylbersztajn -
Se for justo, espero que assine. Também se for justo, eu assino.

Folha - Há o risco de seu sucessor ser um político?
Zylbersztajn -
Essa não é uma cadeira política. Eu acho que político é bom para mandato eletivo, não para mandato numa agência. Acho que ouviram falar em mandato e gostaram da idéia, mas são duas coisas diferentes.

Folha - O sr. tem recebido alguns convites para disputar um cargo político?
Zylbersztajn -
Tenho, mas tenho agradecido e recusado todos. Já tive esses planos. Agora, não tenho mais.

Folha - O sr. vai sentir falta da ANP?
Zylbersztajn -
Vou sentir, claro. A ANP não é filha bastarda. Ela tem um monte de pais e eu sou um deles. É um projeto que deu certo, na minha opinião. Mas um dia eu volto para a vida pública. Eu gosto. Agora, eu preciso dar uma arejada.



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