São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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ÚLTIMOS CARTUCHOS

Medidas do BC são apenas um remédio de curto prazo, pois o problema é político, dizem especialistas

Para analistas, calmaria dura uma semana

Flávio Florido/Folha Imagem
Operadores ontem no pregão da Bolsa de Mercadorias & Futuros, em São Paulo; no painel, a cotação do dólar para novembro


SANDRA BALBI
FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

As medidas anunciadas ontem pelo Banco Central para conter a alta do dólar são apenas um remédio de curto prazo para conter a escalada do dólar. Segundo analistas ouvidos pela Folha, o elenco de medidas anunciado deverá acalmar o mercado por, pelo menos, uma semana. O principal efeito das medidas anunciadas pelo BC é reduzir a liquidez dos bancos, o que poderá, também, ajudar na rolagem da dívida que vence no próximo dia 17. Se o dólar ficar calmo por alguns dias, como resultado da necessidade de os bancos reavaliarem suas posições para se ajustarem às últimas medidas, quem deve ganhar é o governo. Dólar menos volátil e a preço menor significa Ptax (o preço médio da moeda dos EUA medido pelo BC diariamente) mais baixo. Como o Ptax serve para calcular os rendimentos dos papéis cambiais, o governo deve conseguir pagar menos para resgatar seus títulos do que previa o mercado. Na próxima quinta vencem US$ 3,6 bilhões em dívida pública atrelada ao câmbio. Apenas uma parte desse lote já foi rolada ou resgatada. Se o BC optar por resgatar os papéis, o Ptax do dia 16 servirá de base para calcular quanto os bancos receberão. Nos últimos dias do mês passado, instituições financeiras pressionaram o câmbio (e consequentemente o Ptax) para conseguir maiores ganhos na hora que o BC resgatou sua dívida cambial que venceu no dia 1º. Para o economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e professor da Faculdade de Economia do Ibmec (Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais), se o dólar continuar subindo, o BC terá de elevar os juros ou até criar uma taxa especial para a venda de dólares a empresas que precisam pagar dívidas. Na opinião do economista, as duas medidas seriam as últimas a serem tomadas caso nada que está sendo feito pelo BC consiga deter a alta da moeda dos EUA. Em entrevista antes de o BC anunciar as últimas medidas, o economista disse que a primeira coisa a fazer seria obrigar os bancos a usar 100% de recursos próprios na compra de dólar.

PAULO LEME, do Goldman Sachs:
As medidas anunciadas pelo BC irão produzir vários efeitos na economia. O primeiro, continuar o processo de desvalorização do câmbio, como estava ocorrendo. O segundo, conter a perda de reservas cambiais do país. Mas também irá ocorrer um aumento de juros no crédito, o que afeta a atividade econômica. A questão é saber se a queda do dólar irá ou não continuar até as eleições. Dependendo do processo eleitoral, se as medidas não forem suficientes, é possível que o BC repita a dose. A raiz do problema no Brasil é a crise de confiança. E ela só deve terminar uma vez que se conheça o eventual vencedor das eleições, a nova tripulação e a rota do vôo.

JOSÉ JÚLIO SENNA, sócio da MCM Consultores Associados:
Não acredito que o Banco Central eleve os juros na próxima reunião do Copom como forma de complementar as medidas tomadas ontem. De setembro do ano passado até agora, o Banco Central já tomou várias medidas para conter o dólar, e até agora não aumentou os juros. Além disso, o Banco Central sabe que a crise é passageira e, uma vez definida a equipe e os rumos da economia de 2003, tudo se inverte. O BC também sabe que um aumento de juros não iria atrair dólares para a economia. Seria uma medida ineficaz. Essas medidas foram uma carga pesada e não devem durar muito tempo. O Brasil é um país que o canal do crédito é mais entupido que o da lagoa Rodrigo de Freitas e não se pode dar ao luxo de conviver com medidas como essas que só ajudam a entupir ainda mais o crédito.

SÉRGIO WERLANG, ex-diretor do Banco Central e atual diretor do Banco Itaú:
Acho que o Banco Central demorou a tomar essas medidas porque queria testar a efetividade do aumento para 75% do coeficiente de capital dos bancos sobre a carteira de câmbio. Como o efeito não foi o esperado, o Banco Central foi obrigado a tomar medidas mais fortes. O problema só será resolvido mesmo quando passar as eleições e sabermos o que virá pela frente. O aumento dos compulsórios vai produzir aumento de juros.

ALBERTO BORGES MATIAS, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto:
"Para o resultado dos bancos, as medidas acabam sendo indiferentes. O que eles deixarão de ganhar nas carteiras de câmbio passarão a ganhar nas de crédito. Isso porque, ao tirar dinheiro do mercado, com o aumento dos compulsórios, o juro subirá. A transferência de riqueza do Tesouro para o mercado continuará porque juro maior aumenta o déficit do governo, que terá de pôr mais títulos no mercado para se financiar."

EMANUEL PEREIRA, diretor da GAP Asset Management:
"As medidas do BC são um remédio amargo, mas necessário, para conter a alta do dólar nos próximos dias. Depois, no entanto, provavelmente será necessária nova oferta de dólares para que a moeda continue em baixa."

FERNANDO COELHO, analista da ABM Consulting:
"Uma das preocupações do governo, com o dólar a R$ 4, é o peso maior que a dívida cambial passa a ter. Com as medidas, o Banco Central deve conseguir pagar menos para resgatar os títulos que vencem na próxima semana. Mas não devemos esperar que o dólar recue bastante ou se mantenha em níveis menores por muito tempo."

EDUARDO BERGER, economista do banco Lloyds TSB:
"O BC tomou as medidas como forma de mostrar que ainda tem instrumentos para agir no câmbio. Mas elas não atuam sobre as causas principais, como as incertezas quanto ao futuro político-econômico do país e o ruim cenário externo. Por isso, é difícil imaginar que o real vá ter uma forte valorização nos próximos dias. As medidas são apenas paliativas, com efeito no curto prazo."

JORGE SIMINO, diretor do Unibanco Asset Management:
"O BC usou todos os instrumentos de que dispõe, simultaneamente, para forçar a desova de dólares pelos bancos. O estresse do mercado chegou a um nível tão alto que medidas homeopáticas não resolvem."

EMÍLIO GARÓFALO, ex-diretor da área externa do BC:
"No ano passado, o BC combinou o aumento do compulsório, dos juros e dos limites de recursos para os bancos operarem com câmbio e passou a fornecer ao mercado uma ração diária de US$ 50 milhões. A isso somou-se uma melhora no ambiente externo com a volta de linhas de financiamento para o país, e o dólar caiu de R$ 2,86 para R$ 2,20. Agora, um recuo mais duradouro das cotações também dependerá de uma melhora no fluxo de recursos externos."

ANTÔNIO CARLOS PÔRTO GONÇALVES, diretor do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV:
"A razão para a alta do dólar é política. Nada que o BC faça poderá mudar isso. Pode cair um pouco, mas vai continuar alto."

LUCIANA SÁ, chefe do Departamento de Pesquisa Econômica da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro):
"O dólar vai se manter instável até o final do processo eleitoral. Mesmo assim, as medidas do BC vão impedir que continuem ocorrendo picos muito fortes [da cotação da moeda]."

MIGUEL RIBEIRO DE OLIVEIRA, vice-presidente da Anefac (associação que reúne executivos de finanças, administração e contabilidade):
"A pressão sobre o dólar deverá diminuir, mas é difícil dizer por quanto tempo. Há um problema estrutural de falta de dólares. Não há dinheiro vindo de fora, e as empresas não estão conseguindo renovar os empréstimos externos. Enquanto o desequilíbrio entre oferta e demanda persistir, a pressão sobre o dólar continuará."

FÁBIO PINA, economista da Federação do Comércio do Estado de São Paulo:
"A medida poderá trazer algum alívio para o mercado de câmbio, mas por curto prazo. Não há fluxo constante de dólares do exterior para o Brasil."

MARISTELLA ANSANELLI, da Tendências Consultoria:
"Todo o estresse, certamente, é por conta das incertezas eleitorais. Com isso, qualquer coisa é motivo para aumentar o nervosismo. A tensão só será arrefecida após o anúncio da equipe econômica. O presidente do BC estará sempre na frente da batalha."

CARLOS KAWALL, economista-chefe do Citibank:
"O rumo do dólar dependerá das medidas anunciadas pelo presidente eleito. Porém, seja quem for, não deve trazer surpresas. Por isso, [acredito que] o dólar esteja a R$ 3,25 no final do ano."


Colaboraram a Sucursal do Rio e Érica Fraga, da Reportagem Local

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