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OPINIÃO ECONÔMICA
Agenda das agências e a vez do consumidor
GESNER OLIVEIRA
O desempenho de setores
estratégicos da infra-estrutura brasileira, como energia elétrica, telecomunicações e transportes, depende em boa medida
do futuro das agências reguladoras, que constituíram uma das
novidades institucionais da economia brasileira nos últimos
anos.
Demonstrando aparentemente
mais apetite por cargos do que
disposição de mudança, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) sugeriu nesta semana a renúncia
coletiva dos dirigentes das agências -que têm mandato fixo previsto em lei- em eventual vitória
da chapa oposicionista nas eleições presidenciais.
Mas a agenda de mudança está
colocada na mesa. Ainda nesta
semana, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reuniu vários especialistas para discutir as perspectivas para a política regulatória
nos segmentos de infra-estrutura
em seminário comemorativo dos
50 anos do banco.
Em menos de uma década o
Brasil registrou avanços inegáveis. O modelo da privatização
das telecomunicações, bem como
o formato institucional da Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações), por exemplo, tem sido
destacado em diferentes fóruns
internacionais.
Mas um novo salto será necessário nos próximos anos. Cinco
diretrizes são úteis em uma agenda de mudança. Em primeiro lugar, é preciso definir de maneira
precisa qual o papel de cada
agência para não haver sobreposição de competências. Quando
uma dupla de tenistas não combina quem joga na rede e quem cobre o fundo da quadra, a probabilidade de a bola passar é muito
grande; para não falar da chance
de trombada entre os jogadores.
O problema de conflitos entre
reguladores não é teórico. Um
mesmo setor, como o de gás natural, pode estar sujeito a uma
agência federal, a ANP (Agência
Nacional de Petróleo), e agências
estaduais, uma vez que os Estados
constituem o poder concedente
na distribuição do produto.
Considerando que o gás natural
é um insumo para a geração termelétrica, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) pode
exercer um papel no setor. Finalmente, quando há casos de cartéis
ou fusões e aquisições, as autoridades de defesa da concorrência
também têm responsabilidades
na matéria. Como há três órgãos
desse tipo no Brasil, a Seae (Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico), a SDE (Secretaria de Direito Econômico) e o
Cade (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica), o número
de siglas e guichês torna o processo lento e confuso.
O cuidado vale não apenas para a divisão de trabalho entre as
agências mas também em relação
a outras dimensões da política
pública. Por exemplo, seria recomendável que houvesse uma separação clara entre as atividades
de política industrial, que é importante em segmentos como o de
telecomunicações e de petróleo, e
a função propriamente reguladora de autarquias como a Anatel e
a ANP.
Em segundo lugar, e uma vez
feita uma delimitação clara de
competências, será necessário integrar e coordenar agências que
atuam em áreas interdependentes, como a Aneel e a ANP. Em alguns segmentos, como o de transportes, a existência de diversas
agências discrepa da logística de
integração dos diversos modais.
Em terceiro lugar, será necessário dotar as agências dos recursos
materiais e humanos necessários.
A exemplo daquilo que ocorre no
comércio exterior, o Estado brasileiro ainda não está devidamente
equipado nessa área. A capacidade do setor público de reter profissionais altamente especializados
em setores complexos e nos quais
as empresas privadas pagam altos salários constitui um dos principais desafios.
Em quarto lugar, será preciso
coibir o abuso de poder de mercado em alguns segmentos. A liberalização ocorrida nos últimos anos
não assegura, por si só, que os
mercados funcionem de maneira
competitiva. No caso dos derivados de petróleo, a flexibilização
do monopólio da Petrobras não
eliminou o poder quase monopolista de fato da empresa.
Isso requer uma articulação eficiente entre os reguladores setoriais e as autoridades de defesa da
concorrência, algo não trivial e
que ocorre atualmente de forma
diferenciada e assistemática.
Em quinto lugar, a participação
dos consumidores contribui para
fiscalizar a regulação. A defesa do
consumidor constitui um dos
avanços importantes da última
década. No caso dos segmentos de
infra-estrutura, no entanto, há
dificuldades específicas para a
proteção do consumidor.
A fixação da tarifa de energia
elétrica ou de telefone envolve
cálculos complexos que exigem
grande volume de informações,
geralmente indisponíveis para o
consumidor individual. Para citar outro caso, a avaliação da
qualidade dos serviços prestados
em saneamento tampouco é imediata. Assim, o fortalecimento dos
conselhos de consumidores mediante aparelhamento técnico e
capacidade pericial pode ajudar a
fiscalização dos segmentos regulados. Isso tem sido recomendado
por especialistas, está previsto em
algumas leis atuais e é implementado com sucesso em outros países.
O problema de informação é
particularmente importante para
várias utilidades públicas, cujas
tarifas pesam nos orçamentos domésticos e na inflação. No caso específico do setor elétrico, os conselhos de consumidores existem,
mas nem sempre contam com os
recursos necessários para a realização dos estudos que a sua função exige. Conselhos de consumidores ativos ajudam até em momentos de crise, como a que culminou com o racionamento de
2001.
A criação das agências reguladoras foi um passo importante,
mas ainda não está completo. O
avanço nessa área constitui um
dos fatores para a retomada do
investimento em infra-estrutura
e, consequentemente, para o crescimento sustentado que se almeja
para o país.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail -
gesner@fgvsp.br
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