São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Agenda das agências e a vez do consumidor

GESNER OLIVEIRA

O desempenho de setores estratégicos da infra-estrutura brasileira, como energia elétrica, telecomunicações e transportes, depende em boa medida do futuro das agências reguladoras, que constituíram uma das novidades institucionais da economia brasileira nos últimos anos.
Demonstrando aparentemente mais apetite por cargos do que disposição de mudança, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) sugeriu nesta semana a renúncia coletiva dos dirigentes das agências -que têm mandato fixo previsto em lei- em eventual vitória da chapa oposicionista nas eleições presidenciais.
Mas a agenda de mudança está colocada na mesa. Ainda nesta semana, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reuniu vários especialistas para discutir as perspectivas para a política regulatória nos segmentos de infra-estrutura em seminário comemorativo dos 50 anos do banco.
Em menos de uma década o Brasil registrou avanços inegáveis. O modelo da privatização das telecomunicações, bem como o formato institucional da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), por exemplo, tem sido destacado em diferentes fóruns internacionais.
Mas um novo salto será necessário nos próximos anos. Cinco diretrizes são úteis em uma agenda de mudança. Em primeiro lugar, é preciso definir de maneira precisa qual o papel de cada agência para não haver sobreposição de competências. Quando uma dupla de tenistas não combina quem joga na rede e quem cobre o fundo da quadra, a probabilidade de a bola passar é muito grande; para não falar da chance de trombada entre os jogadores.
O problema de conflitos entre reguladores não é teórico. Um mesmo setor, como o de gás natural, pode estar sujeito a uma agência federal, a ANP (Agência Nacional de Petróleo), e agências estaduais, uma vez que os Estados constituem o poder concedente na distribuição do produto.
Considerando que o gás natural é um insumo para a geração termelétrica, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) pode exercer um papel no setor. Finalmente, quando há casos de cartéis ou fusões e aquisições, as autoridades de defesa da concorrência também têm responsabilidades na matéria. Como há três órgãos desse tipo no Brasil, a Seae (Secretaria Especial de Acompanhamento Econômico), a SDE (Secretaria de Direito Econômico) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o número de siglas e guichês torna o processo lento e confuso.
O cuidado vale não apenas para a divisão de trabalho entre as agências mas também em relação a outras dimensões da política pública. Por exemplo, seria recomendável que houvesse uma separação clara entre as atividades de política industrial, que é importante em segmentos como o de telecomunicações e de petróleo, e a função propriamente reguladora de autarquias como a Anatel e a ANP.
Em segundo lugar, e uma vez feita uma delimitação clara de competências, será necessário integrar e coordenar agências que atuam em áreas interdependentes, como a Aneel e a ANP. Em alguns segmentos, como o de transportes, a existência de diversas agências discrepa da logística de integração dos diversos modais.
Em terceiro lugar, será necessário dotar as agências dos recursos materiais e humanos necessários. A exemplo daquilo que ocorre no comércio exterior, o Estado brasileiro ainda não está devidamente equipado nessa área. A capacidade do setor público de reter profissionais altamente especializados em setores complexos e nos quais as empresas privadas pagam altos salários constitui um dos principais desafios.
Em quarto lugar, será preciso coibir o abuso de poder de mercado em alguns segmentos. A liberalização ocorrida nos últimos anos não assegura, por si só, que os mercados funcionem de maneira competitiva. No caso dos derivados de petróleo, a flexibilização do monopólio da Petrobras não eliminou o poder quase monopolista de fato da empresa.
Isso requer uma articulação eficiente entre os reguladores setoriais e as autoridades de defesa da concorrência, algo não trivial e que ocorre atualmente de forma diferenciada e assistemática.
Em quinto lugar, a participação dos consumidores contribui para fiscalizar a regulação. A defesa do consumidor constitui um dos avanços importantes da última década. No caso dos segmentos de infra-estrutura, no entanto, há dificuldades específicas para a proteção do consumidor.
A fixação da tarifa de energia elétrica ou de telefone envolve cálculos complexos que exigem grande volume de informações, geralmente indisponíveis para o consumidor individual. Para citar outro caso, a avaliação da qualidade dos serviços prestados em saneamento tampouco é imediata. Assim, o fortalecimento dos conselhos de consumidores mediante aparelhamento técnico e capacidade pericial pode ajudar a fiscalização dos segmentos regulados. Isso tem sido recomendado por especialistas, está previsto em algumas leis atuais e é implementado com sucesso em outros países.
O problema de informação é particularmente importante para várias utilidades públicas, cujas tarifas pesam nos orçamentos domésticos e na inflação. No caso específico do setor elétrico, os conselhos de consumidores existem, mas nem sempre contam com os recursos necessários para a realização dos estudos que a sua função exige. Conselhos de consumidores ativos ajudam até em momentos de crise, como a que culminou com o racionamento de 2001.
A criação das agências reguladoras foi um passo importante, mas ainda não está completo. O avanço nessa área constitui um dos fatores para a retomada do investimento em infra-estrutura e, consequentemente, para o crescimento sustentado que se almeja para o país.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail -
gesner@fgvsp.br


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