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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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POLÊMICA

Presidente do órgão vê falta de dados que garantam que produto não causa danos ao ambiente e aos consumidores

Para Embrapa, transgênico carece de estudo

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A eventual liberação definitiva do plantio de soja transgênica carece de experimentos adequados à realidade ambiental do Brasil, diz o presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Clayton Campanhola. Em outras palavras, não há garantia de que o plantio do transgênico, liberado por medida provisória, não comprometa o solo e a saúde de consumidores.
"Há muitos dados, inclusive do exterior [sobre a suposta segurança da soja transgênica]. São nesses dados que os pesquisadores da Embrapa têm se baseado para se posicionar", diz Campanhola. ""Precisamos de informações mais direcionadas às nossas condições, até porque o país é extremamente heterogêneo e tem uma diversidade muito grande em termos de recursos naturais", completou, em entrevista concedida na sexta.
O presidente da Embrapa argumenta que se poderia ""validar" parte dos testes promovidos em outros países, mas, em outros casos -que ele não especificou-, seriam necessários estudos locais. ""Não significa generalizar, dizer: "Foi feito estudo no exterior, logo está tudo bem'".
A Embrapa se encontra no epicentro da discussão de transgênicos no Brasil. O órgão de pesquisa é subordinado ao ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que defende a liberação do cultivo de transgênicos. Simultaneamente, a Embrapa mantém acordos assinados, desde 1997, com a Monsanto, multinacional do setor de biotecnologia. Nos últimos anos, a Embrapa desenvolveu sementes de soja modificadas a partir de genes cujos direitos de patente pertencem à Monsanto.
As sementes contrabandeadas (da Argentina) usadas nas plantações no Brasil têm tecnologia patenteada pela Monsanto.
De acordo com o presidente da Embrapa, não caberia à empresa do governo promover a análise científica para verificar a ""segurança" dos transgênicos. ""Cabe a quem registra, quem detém a patente cumprir essa legislação. Na verdade, a Embrapa não está se antecipando a isso [ou seja, não estaria se preparando ou promovendo testes com as sementes usadas pelos agricultores]", sustentou o executivo.
Campanhola recorre a dois discursos (um científico e outro político, quando não tergiversante) ao externar seu posicionamento sobre os transgênicos. Primeiro, o científico: a Embrapa defende a pesquisa. ""Entendemos que a transgenia é uma das biotecnologias e, portanto, não pode ser descartada. Por outro lado, temos que nos preocupar com a questão da biossegurança, que seria a avaliação dos possíveis riscos ao ambiente e à saúde humana." Para completar: ""É uma reivindicação da sociedade brasileira e temos que ter humildade para entender essa preocupação. O compromisso da pesquisa é dar resposta a essas inquietações".
Sobre a decisão do governo de liberar o plantio (que já começou) e a comercialização de soja transgênica até dezembro de 2004 e sobre sua eventual ratificação no futuro, o discurso político. ""Neste caso específico da medida provisória, é uma posição de governo, não uma posição da Embrapa. Está fora de nossa competência tratar desse assunto", diz.
O presidente da Embrapa afirma não ter participado das discussões para a liberação do plantio de transgênicos. ""Foi tratado dentro de outra instância, por ministros. O que estamos fazendo [as pesquisas] está em acordo com a legislação do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]; enquanto a questão não se resolve, seguimos a legislação."
A referência é à elaboração de um projeto de lei favorável à liberação definitiva dos transgênicos no país. "Estamos nos antecipando para ver como podemos utilizar a transgenia a favor dos agricultores. Seria outra opção que pode ser colocada para ele [agricultor]. Não deixaremos de produzir sementes convencionais."
Além da soja, a Embrapa tem pesquisas para produção de milho, mamão, batata, feijão e algodão transgênicos, vinculadas a indústrias químicas e institutos internacionais. ""Está tudo sendo feito ainda em laboratório. Agora que testaremos o mamão em pequenos campos." Parte desses experimentos, segundo ele, poderia no futuro ser vinculada a projetos de agricultura familiar.
Indagado se a liberação do plantio na atual safra não significaria um caminho "sem volta" para a disseminação da soja transgênica em território nacional, ele afirmou que um dos maiores erros dos agricultores é plantar grãos e não sementes. ""Representa um grande risco para a agricultura. Ele perde em qualidade, pode perder em produtividade. É uma questão acima de tudo técnica. Todo o tema está sendo tratado de maneira atípica, provisória. Esperamos que o projeto de lei que vai ser tramitado resolva essas questões."
Tampouco quis comentar a decisão do CTA (Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxico) contrária ao uso de glifosato sobre as plantações de soja. "Não cabe à Embrapa opinar sobre decisões tomadas por outros órgãos e pelo ministério", afirmou.



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