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Escassez de crédito muda financiamento de empresas
Com menos recursos, companhias se reorganizam com fornecedores e clientes
Para executivo, bancos aproveitam o momento de falta de liquidez para "ganhar em dois meses o que ganhariam no ano"
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
Até duas semanas atrás, a fabricante de alimentos brasileira General Brands tomava empréstimos para capital de giro
pagando juros de 3% ao ano.
Depois do início da crise do crédito, o "spread" (preço do dinheiro cobrado pelos bancos)
passou para 12% anuais. Com
5% de sua receita anual de R$
120 milhões provenientes de
exportações, a empresa também usava de ACCs, mecanismo financeiro que permite antecipar o faturamento obtido
com exportações em até seis
meses. Só que esses, simplesmente, deixaram de existir.
"Não faz sentido pensar que
as mesmas empresas que duas
semanas atrás estavam ótimas
agora estejam quebrando", diz
Antonio Carlos Ferreira, vice-presidente da General Brands.
"Existe a crise, mas os bancos
estão aproveitando para tirar
vantagem e ganhar em dois meses o que ganhariam no ano."
A solução encontrada por
Ferreira foi de curto -na verdade, curtíssimo- prazo. Renovou as operações de crédito
por apenas um mês, esperando
"a volta do bom senso". Enquanto isso, negocia com a cadeia de fornecedores e clientes.
"Nós, na verdade, gostaríamos de estar mais ao lado da
empresa do que conseguimos
com nossa disponibilidade de
recursos", afirma Carlos Catraio, presidente do banco BPN
Brasil, especializado em pequenas e médias empresas. "Mas,
além de o tíquete médio [dos
empréstimos] ter diminuído
por conta do risco, o cliente está pedindo mais dinheiro emprestado porque muitos bancos com os quais trabalhava estão negando crédito."
Além disso, diz Catraio, há
mais empresas buscando dinheiro. Entre elas, as multinacionais que, até há pouco, tinham linhas mais baratas ou
traziam recursos de suas matrizes. "Muitas multinacionais jamais olharam para linhas de
crédito à exportação como as
do BNDES", afirma Catraio.
"Esse, porém, é um dos poucos
recursos que não está escasso e
apenas não aumentou sua participação consideravelmente
em nossa carteira porque sua
liberação é demorada."
Se no curto prazo o cenário
para as empresas parece crítico, num horizonte mais distante as perspectivas também não
são muito animadoras, dizem
especialistas. Para Catraio, há
uma grande preocupação no
mercado quanto à capacidade
de honrar pagamentos das empresas estrangeiras que importam do Brasil.
Especializada em segurar os
créditos que serão recebidos
pelas empresas, a Coface cobria, em média, 81% dos recebíveis de seus segurados. Nos últimos dois meses, o percentual
garantido baixou para 60%.
"É uma medida preventiva
da seguradora, que percebeu a
deterioração nas condições de
risco das empresas", afirma
Fernando Blanco, presidente
da Coface do Brasil e que trabalhou com crédito e gerenciamento de risco em grandes
bancos por mais de 20 anos.
Isso porque, diz Blanco, ao
não conceder empréstimos às
empresas, o sistema financeiro
acaba por criar um efeito dominó, repassado a toda cadeia
produtiva.
A Lupo tem vivido exatamente essa situação. Os grandes magazines que financiam o
consumidor com vendas a prazo começaram a procurar a fabricante de roupas tentando
estender os pagamentos por
não estarem encontrando linhas de capital de giro junto
aos bancos.
"Alguns suspenderam pedidos, mas não temos como estender recebimentos porque
trabalhamos com prazos curtíssimos de compra de matéria-prima, com pagamentos em 30
dias", diz Valquírio Cabral Júnior, diretor comercial da Lupo. "Nossa sorte é que os grandes magazines representam
apenas 20% do faturamento."
No meio dessa restrição do
acesso ao capital, a empresa
tem ainda de enfrentar a pressão vinda do outro lado: a do
aumento na matéria-prima cotada em dólares. Segundo Cabral Júnior, alguns fornecedores já acenam com reajustes
médios na faixa de 12%. "É claro que não temos como absorver um aumento desses, já que
os clientes não aceitarão um repasse com as vendas de fim de
ano já fechadas", diz ele. "Estamos em negociação."
Para o economista Roberto
Troster, sócio da consultoria
Integral-Trust, cabe ao Banco
Central "dar um passo abaixo e
olhar também para as empresas", em vez de ajudar apenas
os bancos, usando com agilidade políticas monetárias que garantam liquidez. "Se a economia parar em razão do crédito,
o prejuízo será gigantesco", diz
Troster. "Demora muito tempo
para as empresas retomarem
sua produção."
Para Blanco, da Coface, uma
das hipóteses a ser adotada pelas empresas, tão logo o momento mais agudo da crise passe, será a busca do crédito nas
próprias cadeias produtivas.
Nesse caso, as empresas âncoras -como grandes montadoras- acabam financiando ou
facilitando o acesso ao crédito
de seus fornecedores menores.
Essa realidade foi vivida no
Brasil até cinco anos atrás, segundo Blanco, quando o excesso de liquidez e a oferta de crédito passaram a irrigar o setor
produtivo. O quadro, porém,
começa a se inverter e as empresas agora acham alternativas para o papel de financiador
ocupado pelos bancos.
Maior distribuidora de produtos de informática do Brasil,
com faturamento anual de R$ 1
bilhão, a Officer não sentiu restrições ao crédito, mas o custo
do dinheiro tomado aumentou.
A empresa, porém, tem recebido mais pedidos de revendedoras para que ela fature diretamente para o consumidor final.
"Temos muitos casos de revendedores de pequeno porte
que atendem clientes de médio
porte", diz Fábio Gaia, presidente da Officer. "Ao atuar como intermediário, esse revendedor não tem encontrado crédito bancário, que está simplesmente paralisado. Temos, então, usado nosso aval de empresa grande para faturar direto
para o cliente, pagando a comissão do revendedor."
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