São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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Economia real tenta resistir ao contágio financeiro na Europa

Apesar da crise global, zona do euro deve crescer 1,3%, segundo o FMI; no resto do mundo, previsão chega a 3,9%

Especialistas afirmam que não há correspondência entre o pânico financeiro e a melancolia na economia produtiva na Europa

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Os freqüentadores da Oktober Fest, o mais badalado festival da Alemanha, consumiram neste ano 6,6 milhões de litros de cerveja, a grande atração da festa, 300 mil a menos que em 2007. Sinal de que a crise que devasta os mercados financeiros chegou pesadamente à rua?
Não. Segundo a edição eletrônica da revista "Der Spiegel", apenas sinal de que fez um frio excessivo para a época.
A animação da rua, pelo menos em Munique, palco da Oktober Fest, foi tanta que, em duas semanas de duração, foi consumida a carne de 104 bois, mesmíssimo número contabilizado no ano passado, quando a Europa era feliz e não sabia.
Tão feliz que, há só quatro meses, o comissário europeu de Economia, Joaquín Almunia, dizia: "Em geral e apesar de todas as dificuldades, a economia européia enfrenta as tormentas globais bastante bem".
Já não tão bem, mas, de todo modo, os números da Oktober Fest demonstram que não há paralelo entre o desastre nos mercados financeiros e a desaceleração da economia produtiva, ao menos na Europa.
Tome-se o caso da Espanha: a Bolsa perdeu mais de 30% de seu valor no ano. Mas o conjunto da economia ainda crescerá 1,4% neste ano, conforme prevê o FMI. A recessão só virá no ano que vem, com um retrocesso de 0,2%, o primeiro desde o já remoto ano de 1993.
Mas apenas a Itália e o Reino Unido, entre os grandes países da Europa, acompanharão a Espanha na recessão, segundo o FMI. Para este ano, apesar da crise, a zona do euro (15 países) crescerá (1,3%), bem como o conjunto do planeta (3,9%).
Na rua, o sentimento já é melancólico. A Espanha, por exemplo, registra brutal aumento do desemprego, mesmo antes da tecnicalidade recessiva aparecer nas estatísticas.
Quase 500 mil pessoas perderam o emprego entre o fim do ano passado e setembro de 2008, elevando o número de desempregados para 2,625 milhões, o maior nível desde 1996.
Assim mesmo, há um número que coincide com os da Oktober Fest: o consumo não caiu, conforme pesquisa da consultoria Nielsen. O faturamento dos produtos de grande consumo que compõem uma cesta básica de compras aumentou até razoavelmente (2,8%), embora a principal causa tenha sido o aumento de preços, já que o volume vendido cresceu 1,5%.
Ressalva relevante: a pesquisa cobriu apenas o primeiro trimestre do ano e, portanto, não pega os meses mais recentes, de agravamento da crise.
Esse detalhe fundamental dá razão à análise da evolução da crise feita por George Irvin, pesquisador da Universidade de Londres, e válida para a Europa toda: "A razão pela qual ainda não vemos um pânico disseminado é que a crise financeira está apenas começando a abrir seu caminho em direção à economia real".
De fato, tanto não há pânico disseminado que recente pesquisa divulgada pela rádio espanhola PuntoR diz que três quartos do público acreditam que há sensacionalismo nas informações sobre a crise. Um dado que é confirmado por Pedro José Domínguez, diretor de Negócios da Nielsen: "O consumidor tem mais informação que nunca, razão pela qual aumenta a crise psicológica e se produz uma reação mais dura".
Essa sensação de que não há correspondência entre o pânico financeiro e a melancolia na economia real é também exposta por David Frost, diretor-geral da Câmara Britânica de Comércio, ao divulgar resultado de pesquisa trimestral sobre a formidável queda no nível de confiança de empresários dos setores industrial e de serviços.
Para Frost, "o Reino Unido já está em recessão, que se agrava e pode elevar o número de desempregados em 350 mil até 2009". Mas diz que é preciso manter as coisas na devida proporção: "Várias partes da comunidade empresarial continuam com bom desempenho".
O que explica a recessão na Europa, se até pelo menos o primeiro trimestre havia um relativo otimismo? Primeira explicação, dada por David Marsh, presidente da financeira London and Oxford Capital Markets: "Por causa da multiplicidade de conexões nos mercados globalizados, as interações entre os EUA e a Europa se multiplicaram. Longe de ser isolada dos acontecimentos na América pela cortina mágica do euro, a Europa está mais exposta aos EUA do que no passado".
Em entrevista para o site do Council on Foreign Relations, o economista da moda, Nouriel Roubini, um dos raros que previram a crise, lista os motivos locais: "O estouro de bolhas imobiliárias em alguns países; pesados investimentos de bancos europeus em mercados débeis, como os do Leste europeu; significativa exposição de bancos escandinavos na Islândia [agora em quebra] e nos países bálticos". Motivos suficientes para aguar o chope na próxima Oktober Fest.


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