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Economia real tenta resistir ao contágio financeiro na Europa
Apesar da crise global, zona do euro deve crescer 1,3%, segundo o FMI; no resto do mundo, previsão chega a 3,9%
Especialistas afirmam que não há correspondência entre o pânico financeiro e a melancolia na economia produtiva na Europa
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Os freqüentadores da Oktober Fest, o mais badalado festival da Alemanha, consumiram
neste ano 6,6 milhões de litros
de cerveja, a grande atração da
festa, 300 mil a menos que em
2007. Sinal de que a crise que
devasta os mercados financeiros chegou pesadamente à rua?
Não. Segundo a edição eletrônica da revista "Der Spiegel", apenas sinal de que fez um
frio excessivo para a época.
A animação da rua, pelo menos em Munique, palco da Oktober Fest, foi tanta que, em
duas semanas de duração, foi
consumida a carne de 104 bois,
mesmíssimo número contabilizado no ano passado, quando
a Europa era feliz e não sabia.
Tão feliz que, há só quatro
meses, o comissário europeu de
Economia, Joaquín Almunia,
dizia: "Em geral e apesar de todas as dificuldades, a economia
européia enfrenta as tormentas
globais bastante bem".
Já não tão bem, mas, de todo
modo, os números da Oktober
Fest demonstram que não há
paralelo entre o desastre nos
mercados financeiros e a desaceleração da economia produtiva, ao menos na Europa.
Tome-se o caso da Espanha:
a Bolsa perdeu mais de 30% de
seu valor no ano. Mas o conjunto da economia ainda crescerá
1,4% neste ano, conforme prevê
o FMI. A recessão só virá no
ano que vem, com um retrocesso de 0,2%, o primeiro desde o
já remoto ano de 1993.
Mas apenas a Itália e o Reino
Unido, entre os grandes países
da Europa, acompanharão a
Espanha na recessão, segundo
o FMI. Para este ano, apesar da
crise, a zona do euro (15 países)
crescerá (1,3%), bem como o
conjunto do planeta (3,9%).
Na rua, o sentimento já é melancólico. A Espanha, por
exemplo, registra brutal aumento do desemprego, mesmo
antes da tecnicalidade recessiva aparecer nas estatísticas.
Quase 500 mil pessoas perderam o emprego entre o fim
do ano passado e setembro de
2008, elevando o número de
desempregados para 2,625 milhões, o maior nível desde 1996.
Assim mesmo, há um número que coincide com os da Oktober Fest: o consumo não caiu,
conforme pesquisa da consultoria Nielsen. O faturamento
dos produtos de grande consumo que compõem uma cesta
básica de compras aumentou
até razoavelmente (2,8%), embora a principal causa tenha sido o aumento de preços, já que
o volume vendido cresceu 1,5%.
Ressalva relevante: a pesquisa cobriu apenas o primeiro trimestre do ano e, portanto, não
pega os meses mais recentes, de
agravamento da crise.
Esse detalhe fundamental dá
razão à análise da evolução da
crise feita por George Irvin,
pesquisador da Universidade
de Londres, e válida para a Europa toda: "A razão pela qual
ainda não vemos um pânico
disseminado é que a crise financeira está apenas começando a abrir seu caminho em direção à economia real".
De fato, tanto não há pânico
disseminado que recente pesquisa divulgada pela rádio espanhola PuntoR diz que três
quartos do público acreditam
que há sensacionalismo nas informações sobre a crise. Um
dado que é confirmado por Pedro José Domínguez, diretor de
Negócios da Nielsen: "O consumidor tem mais informação
que nunca, razão pela qual aumenta a crise psicológica e se
produz uma reação mais dura".
Essa sensação de que não há
correspondência entre o pânico financeiro e a melancolia na
economia real é também exposta por David Frost, diretor-geral da Câmara Britânica de
Comércio, ao divulgar resultado de pesquisa trimestral sobre
a formidável queda no nível de
confiança de empresários dos
setores industrial e de serviços.
Para Frost, "o Reino Unido já
está em recessão, que se agrava
e pode elevar o número de desempregados em 350 mil até
2009". Mas diz que é preciso
manter as coisas na devida proporção: "Várias partes da comunidade empresarial continuam com bom desempenho".
O que explica a recessão na
Europa, se até pelo menos o
primeiro trimestre havia um
relativo otimismo? Primeira
explicação, dada por David
Marsh, presidente da financeira London and Oxford Capital
Markets: "Por causa da multiplicidade de conexões nos mercados globalizados, as interações entre os EUA e a Europa se
multiplicaram. Longe de ser
isolada dos acontecimentos na
América pela cortina mágica do
euro, a Europa está mais exposta aos EUA do que no passado".
Em entrevista para o site do
Council on Foreign Relations, o
economista da moda, Nouriel
Roubini, um dos raros que previram a crise, lista os motivos
locais: "O estouro de bolhas
imobiliárias em alguns países;
pesados investimentos de bancos europeus em mercados débeis, como os do Leste europeu;
significativa exposição de bancos escandinavos na Islândia
[agora em quebra] e nos países
bálticos". Motivos suficientes
para aguar o chope na próxima
Oktober Fest.
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