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OPINIÃO ECONÔMICA
Três batatas para dois dias
BENJAMIN STEINBRUCH
Andando com meu pai,
Mendel, pelas ruas de Porto
Alegre, perto do mercado, ele
apontou um apartamento no primeiro andar de um velho edifício
na av. Borges de Medeiros e me
confidenciou: "Nas épocas difíceis, eu morava aqui, seus avós viviam em Rio Grande e me lembro
de uma vez em que só havia três
batatas para comer, durante dois
dias". Eu era pequeno, e aquilo ficou na minha cabeça. Meu pai
com três batatas para comer durante dois dias. Era mais uma lição de vida que me dava.
Se ele aqui estivesse, tenho certeza, seria um entusiasta do projeto Fome Zero do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns sociólogos andaram escrevendo que não existe fome no
Brasil, e sim desnutrição. Talvez
tenham razão. Não há por aqui
uma situação de ausência total de
alimentos, caracterizada em
grandes catástrofes do continente
africano, em que só a ajuda humanitária pode salvar a vida dos
flagelados. Mas tudo isso não passa de firula semântica. É obvio
que milhões de pessoas passam
fome em regiões pobres e têm seu
crescimento e saúde prejudicados
por não se alimentarem de forma
adequada. Lula conhece isso melhor do que qualquer sociólogo, já
que viveu o problema na pele em
sua infância pobre no Nordeste.
A fome e a desnutrição, seja lá
qual for a palavra, são o problema mais urgente a ser enfrentado
pelo futuro governo. Lula escolheu bem o seu alvo inicial. Criança com fome não cresce. Estudante com fome não estuda. Trabalhador com fome não trabalha.
Aposentado com fome não vive.
Então, o começo de tudo deve ser
por aí.
Encontre os dirigentes próximos
a Lula e verá que eles estão certos
de que podem resolver rapidamente o problema da fome -ou
da desnutrição. Os olhos deles brilham, o entusiasmo e as convicções falam alto. Estão com a razão em seu ímpeto. O Brasil tem
mesmo abundância de alimentos,
muitas vezes desperdiçados, que
podem nutrir toda a população
do país sem qualquer problema.
É ótimo que as lideranças do
novo governo sejam assim. Mas é
preciso também diminuir um
pouco as expectativas, porque
nem tudo pode ser facilmente resolvido. Não é bom transmitir a
idéia ilusória de que é fácil e rápido, por exemplo, fazer a economia crescer 5% ao ano ou criar 10
milhões de empregos a partir de 1º
de janeiro.
O que se deve fazer desde o primeiro dia de governo são propostas ousadas, sair da mesmice e
abandonar essa idéia de que não
há salvação sem a manutenção
de política monetária arrochada,
dos juros altos e da recessão.
O governo Lula foi eleito, sem
dúvida, para ter compromissos
diretos com a população. Foi posto no poder para estabelecer objetivos concretos e desafiadores de
médio e longo prazo, como criar 1
milhão ou 2 milhões de novos empregos no primeiro ano de mandato, construir 1 milhão de habitações e produzir 120 milhões de
toneladas de grãos em 2003, dobrar o salário mínimo durante
quatro anos, puxar a economia
para cima, jogar no ataque, e não
na retranca.
Lula e sua equipe acertam ao
transmitir a idéia da audácia em
suas propostas. O fim da fome deve ser apenas o começo.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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