São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Trabalho de Deus"


O que vimos nos EUA e na Europa talvez tenha sido a maior socialização de prejuízos da história econômica mundial

O PRESIDENTE do Goldman Sachs, o sr. Lloyd Blankfein, concedeu entrevista ao jornal "The Sunday Times", publicada no último domingo. Eu estava fazendo escala em Londres, na volta da reunião do G20 na Escócia, e li estupefato a seguinte declaração, estampada no alto da primeira página: "Os bancos fazem o trabalho de Deus".
Bem sei, leitor, que Deus escreve certo por linhas tortas, mas -convenhamos- mesmo a nossa crença na Divina Providência tem seus limites e suas hesitações. Segundo o sr. Blankfein, os bancos "desempenham um papel social", ajudando as empresas a crescer, investir e gerar empregos. O correto seria dizer que os bancos deveriam desempenhar esse papel. Se o fazem ou não, é uma questão altamente controvertida -para dizer o mínimo.
Mais próximo da verdade esteve Lord Turner, presidente da "Financial Services Authority" do Reino Unido, quando declarou que grande parte do sistema bancário moderno é "socialmente inútil". A julgar pelo estrago provocado pela especulação nos anos recentes, Lord Turner poderia ter ido mais longe: grande parte do sistema bancário moderno é socialmente pernicioso.
Correndo o risco de homenagear o Conselheiro Acácio, faço a ressalva: uma economia moderna precisa de um setor bancário sólido. O problema é que nas últimas três décadas ocorreu uma hipertrofia do sistema financeiro. O setor cresceu extraordinariamente e se tornou mais complexo e opaco. Acumularam-se riscos e vulnerabilidades muito graves.
Os Estados e os bancos centrais falharam de maneira dramática na supervisão e na regulamentação do sistema, principalmente nos EUA e na Europa. As instituições privadas passaram a funcionar em larga medida à margem de controles oficiais. Políticas monetárias expansivas nos EUA e em outros países emissores de moedas de liquidez internacional alimentaram a especulação financeira e levaram à formação de uma série de bolhas nos mercados de ativos. A última delas estourou em 2007-2008 e levou a economia mundial à pior crise dos últimos 70 anos. Os países desenvolvidos ainda estão juntando os cacos.
Para socorrer o sistema financeiro e evitar uma nova Grande Depressão, os Estados dos países desenvolvidos gastaram verdadeiras fortunas. O que vimos recentemente nos EUA e na Europa talvez tenha sido a maior socialização de prejuízos da história econômica mundial. Apesar disso tudo, os governos e Congressos desses países ainda não foram capazes de apresentar e implementar planos suficientemente rigorosos para reformar e disciplinar o sistema financeiro.
Aqui nos EUA e também na Europa, a opinião pública está subindo pelas paredes como lagartixa profissional. Se o sr. Blankfein, que teve a sua face sorridente também estampada na primeira página do jornal, resolver sair à rua, será provavelmente caçado a pauladas feito ratazana prenhe (como diria Nelson Rodrigues).
Trabalho de Deus! A declaração do presidente do Goldman Sachs é sintomática. Os bancos que sobreviveram ao holocausto financeiro estão, em alguns casos, muito mais fortes e passaram a dominar ainda mais segmentos importantes do mercado. Formaram-se verdadeiros mamutes financeiros que faturam alto nos momentos favoráveis, embolsando lucros e distribuindo bônus nababescos a seus executivos. Grandes demais para quebrar, podem operar com a convicção de que serão socorridos pelo Estado, isto é, pelos contribuintes, se as suas especulações não forem bem-sucedidas.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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