São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Façanhas e mancadas da sabedoria financeira


A opinião pública está convencida: os bancos lavaram a égua nos últimos dez anos

A NOTA da Febraban sobre as conseqüências do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e do aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido) ocupou boa parte do meu tempo na manhã do dia 11. Recebi cinco telefonemas de cidadãos indignados, empresários de porte, profissionais de alto coturno e outra gente de rendimentos graúdos.
A opinião pública está convencida: os bancos lavaram a égua nos últimos dez anos, depois que o Estado evitou uma crise bancária com o Proer. Nos anos 90 e no início do terceiro milênio, as operações de tesouraria saborearam as taxas dos títulos públicos e as delícias do real valorizado. A partir de 2005, o crédito aos consumidores passou a ser concedido com prazos cada vez mais generosos. Os volumes cresceram à velocidade da quinta marcha. Os "spreads" garantiram a rentabilidade.
Não topo teorias conspiratórias. Compartilho a admiração de Schumpeter, Marx, Keynes pela arquitetura do sistema de crédito erigida pelo capitalismo desde o último quarto do século 19, façanha dos Rotschild, dos Morgan, dos Warburg, dos Bleichröder. A leitura das biografias desses gigantes pode ser útil para evitar episódios em que a infelicidade de uma nota desperta ressentimentos.
Nos Estados Unidos dos anos 30, a quebra era generalizada. Os agricultores puxavam a fila. Em 1933, Roosevelt, recém-empossado, decretou feriado bancário. Utilizou a Reconstruction Finance Corporation, criada por Hoover, para promover a reestruturação das dívidas e limpar as carteiras dos bancos.
O Glass-Steagall Act já havia determinado a separação entre os bancos comerciais e de investimento. Em seguida, o governo aprovou a garantia de depósitos bancários, a proibição do pagamento de juros sobre depósitos à vista e o estabelecimento de tetos ao pagamento de juros para depósitos a prazo.
A American Bankers Association reagiu: as medidas eram "heterodoxas, não-científicas, injustas e perigosas". Não obstante sua natureza maligna, elas brecaram a corrida bancária e favoreceram a recuperação do crédito.
Em 1935, ao desembarcar de uma viagem à Europa, "Jack" Morgan, o herdeiro de John Pierpont, adicionou gasolina ao fogo: "Os que ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por ano para sustentar o governo". A indignação popular avassalou o país. No livro "The House of Morgan", Ron Chernow escreve que, depois da mancada, Jack deixou de ser uma pessoa. Tornou-se o símbolo dos ricos e reacionários que se opunham à justiça social. A multidão de desempregados sobrevivia à custa dos programas de obras públicas e da assistência social do Estado.
O conselheiro legal de Roosevelt (mais tarde juiz da Suprema Corte) Felix Frankfurter escreveu ao presidente: "Quando os homens mais proeminentes do mundo da finança escancaram atitudes moralmente obtusas e anti-sociais, chega-se à conclusão de que o verdadeiro inimigo do capital não é o comunismo, mas os capitalistas e sua corte de escribas e advogados".


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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