São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Tarifa provoca crise energética argentina

Escassez de recursos naturais e falta de investimentos também explicam dificuldades; consumo cresce 7% ao ano

Analistas estimam déficit de pelo menos 4.000 MW; governo nega que haja crise e coloca culpa em temperaturas extremas

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

A crise energética argentina, que explode com temperaturas extremas -sejam elas quentes ou frias-, tem outros vilões que não o clima: a escassez de recursos naturais e a falta de investimentos no setor, ambas intimamente vinculadas à política de tarifas baixas.
Segundo cálculos de analistas do setor, a Argentina tem hoje um déficit em sua capacidade instalada de ao menos 4.000 MW de geração elétrica. Para o ano que vem, está prevista a entrada em funcionamento de centrais que somariam 1.600 MW ao sistema.
Os últimos acréscimos ao sistema elétrico do país datam de 2000. A demanda, porém, não pára de crescer: desde 2002, o consumo elétrico vem crescendo pelo menos 7% ao ano.
O governo se nega a reconhecer que haja uma crise energética. Fala, quando muito, em um problema que não é só da Argentina e põe a culpa nas temperaturas extremas. "Muitas vezes os sistemas não estão preparados para essas mudanças climáticas", disse na terça-feira a presidente Cristina Fernández de Kirchner.
O argumento é refutado pelo economista e ex-secretário de Energia Daniel Montamat: "O sistema energético precisa de reservas para prever todas as situações. O governo Kirchner subestimou as necessidades. Para acompanhar uma taxa de crescimento do PIB de 5%, são necessários ao menos US$ 3 bilhões ao ano. O crescimento foi bem maior que isso, mas o investimento foi escasso".
Um dos vilões para a falta de investimentos no setor, diz o economista-chefe da Fiel (Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas), Fernando Navajas, é o que ele chama de "populismo energético". Um cálculo de Navajas aponta que os argentinos pagam hoje pela eletricidade 20% dos preços praticados no Brasil e no Chile e 40% dos da média da região, incluindo países muito mais pobres.
"A negação de que os preços são importantes para que o consumo de energia seja racional e eficiente é daninha", diz. No fim do ano passado, o governo lançou um programa de uso racional de energia, mas não incluiu a revisão das tarifas.

Capacidade limitada
Os altos subsídios pagos pelo governo, de cerca de US$ 4 bilhões no ano passado, impedem que as empresas operem no vermelho, mas também limitam a capacidade de investimento delas. A situação se agrava com o esgotamento dos principais elementos da matriz energética argentina: o petróleo e o gás. O primeiro vem escasseando desde 1998 -a um ritmo de 22% anuais. Hoje, a Argentina tem reservas provadas de menos de dez anos do combustível. O gás, após atingir o seu máximo em 2004, também dá sinais de esgotamento.
Juntos, gás e petróleo respondem pela produção de mais de 50% da eletricidade do país.
"O diagnóstico é claro: a oferta não pode sustentar a demanda", diz Eduardo Fracchia, do Instituto Argentino de Energia.
Apesar dos graves problemas energéticos no inverno, que já mostravam a fragilidade do sistema elétrico argentino -na ocasião, as indústrias tiveram que ser submetidas a um racionamento-, o governo negou constantemente que haveria problemas no verão. Apesar disso, as indústrias se preveniram. Nos meses de temperatura mais amena, como setembro, produziram ao máximo -naquele mês, o uso da capacidade instalada chegou a 79%.
Agora, os cortes são menos graves porque algumas fábricas deram férias coletivas -80% da indústria têxtil, por exemplo, estava inoperante na semana passada, em que cerca de 6% dos usuários da Grande Buenos Aires tiveram cortes de energia.
"Hoje, o governo percebe que o problema é o mesmo que enfrentava no inverno passado, mas está em uma situação operativa ainda pior e não tem nenhuma solução genuína para recorrer", diz Carlos Bastos, consultor do setor energético.


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