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Tarifa provoca crise energética argentina
Escassez de recursos naturais e falta de investimentos também explicam dificuldades; consumo cresce 7% ao ano
Analistas estimam déficit
de pelo menos 4.000 MW;
governo nega que haja
crise e coloca culpa em temperaturas extremas
RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES
A crise energética argentina,
que explode com temperaturas
extremas -sejam elas quentes
ou frias-, tem outros vilões
que não o clima: a escassez de
recursos naturais e a falta de investimentos no setor, ambas
intimamente vinculadas à política de tarifas baixas.
Segundo cálculos de analistas do setor, a Argentina tem
hoje um déficit em sua capacidade instalada de ao menos
4.000 MW de geração elétrica.
Para o ano que vem, está prevista a entrada em funcionamento de centrais que somariam 1.600 MW ao sistema.
Os últimos acréscimos ao sistema elétrico do país datam de
2000. A demanda, porém, não
pára de crescer: desde 2002, o
consumo elétrico vem crescendo pelo menos 7% ao ano.
O governo se nega a reconhecer que haja uma crise energética. Fala, quando muito, em
um problema que não é só da
Argentina e põe a culpa nas
temperaturas extremas. "Muitas vezes os sistemas não estão
preparados para essas mudanças climáticas", disse na terça-feira a presidente Cristina Fernández de Kirchner.
O argumento é refutado pelo
economista e ex-secretário de
Energia Daniel Montamat: "O
sistema energético precisa de
reservas para prever todas as
situações. O governo Kirchner
subestimou as necessidades.
Para acompanhar uma taxa de
crescimento do PIB de 5%, são
necessários ao menos US$ 3 bilhões ao ano. O crescimento foi
bem maior que isso, mas o investimento foi escasso".
Um dos vilões para a falta de
investimentos no setor, diz o
economista-chefe da Fiel
(Fundação de Investigações
Econômicas Latino-Americanas), Fernando Navajas, é o que
ele chama de "populismo energético". Um cálculo de Navajas
aponta que os argentinos pagam hoje pela eletricidade 20%
dos preços praticados no Brasil
e no Chile e 40% dos da média
da região, incluindo países
muito mais pobres.
"A negação de que os preços
são importantes para que o
consumo de energia seja racional e eficiente é daninha", diz.
No fim do ano passado, o governo lançou um programa de uso
racional de energia, mas não incluiu a revisão das tarifas.
Capacidade limitada
Os altos subsídios pagos pelo
governo, de cerca de US$ 4 bilhões no ano passado, impedem que as empresas operem
no vermelho, mas também limitam a capacidade de investimento delas. A situação se agrava com o esgotamento dos
principais elementos da matriz
energética argentina: o petróleo e o gás. O primeiro vem escasseando desde 1998 -a um
ritmo de 22% anuais. Hoje, a
Argentina tem reservas provadas de menos de dez anos do
combustível. O gás, após atingir
o seu máximo em 2004, também dá sinais de esgotamento.
Juntos, gás e petróleo respondem pela produção de mais
de 50% da eletricidade do país.
"O diagnóstico é claro: a oferta não pode sustentar a demanda", diz Eduardo Fracchia, do
Instituto Argentino de Energia.
Apesar dos graves problemas
energéticos no inverno, que já
mostravam a fragilidade do sistema elétrico argentino -na
ocasião, as indústrias tiveram
que ser submetidas a um racionamento-, o governo negou
constantemente que haveria
problemas no verão. Apesar
disso, as indústrias se preveniram. Nos meses de temperatura mais amena, como setembro, produziram ao máximo -naquele mês, o uso da capacidade instalada chegou a 79%.
Agora, os cortes são menos
graves porque algumas fábricas
deram férias coletivas -80% da
indústria têxtil, por exemplo,
estava inoperante na semana
passada, em que cerca de 6%
dos usuários da Grande Buenos
Aires tiveram cortes de energia.
"Hoje, o governo percebe que
o problema é o mesmo que enfrentava no inverno passado,
mas está em uma situação operativa ainda pior e não tem nenhuma solução genuína para
recorrer", diz Carlos Bastos,
consultor do setor energético.
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