São Paulo, quarta, 13 de janeiro de 1999

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MERCADO TENSO
Fuga de recursos para o exterior neste mês já chega a US$ 2 bi; nervosismo traz de volta o risco cambial
Saída de dólares e juro futuro se elevam

CRISTIANE PERINI LUCCHESI
da Reportagem Local

A sangria de dólares cresceu ontem e trouxe mais intranquilidade ao mercado financeiro. Até as 19h30, o fluxo estava negativo em aproximadamente US$ 1 bilhão. O mercado fecha às 21h30.
A Bolsa de Valores de São Paulo voltou a despencar, chegando a um passo do "circuit breaker", mecanismo que interrompe os negócios toda vez que a queda atinge 10%. Fechou em baixa de 7,61%.
Os mercados futuros passaram a projetar juros e desvalorização cambial bem mais fortes no curto prazo. Para março, os juros anuais projetados pularam de 32,43% ao ano anteontem para 39,75% ao ano ontem. Hoje, os juros de referência para toda a economia estão em torno de 29% ao ano.
A desvalorização cambial estimada para este mês passou de 1,15% anteontem para 1,41% ontem. Na política cambial que o governo federal vem praticando, a desvalorização do real atinge, no máximo, 0,7% ao mês.
O Banco Central interveio para segurar o dólar no mercado futuro. Segundo especialistas, o BC já gastou algo em torno de US$ 6 bilhões na Bolsa de Mercadorias & Futuros para segurar a cotação do dólar desde que, na semana passada, o governo mineiro decretou moratória e a crise de credibilidade do país se intensificou.
Também no mercado à vista o governo interveio, por intermédio do Banco do Brasil, vendendo a moeda dos Estados Unidos para impedir uma desvalorização forte do real. Ninguém quer vender dólares, pois as perspectivas são de o fluxo cambial continuar negativo.
A evasão de US$ 690 milhões pelo mercado de dólar comercial registrada ontem preocupa. Mas o sinal mais alarmante é a perda de US$ 298 milhões pelo mercado de dólar flutuante, um segmento do turismo. É por intermédio do câmbio flutuante que os brasileiros tiram seus recursos do país.
Depois da saída forte de US$ 883 milhões na semana passada, o fluxo cambial foi negativo anteontem. Chegou a US$ 187 milhões, apesar da entrada de US$ 350 milhões pelo comercial.
Neste ano, o Brasil já perdeu US$ 2 bilhões pelo mercado de câmbio, com as reservas internacionais, o caixa em moeda forte, abaixo de US$ 34 bilhões.
Acreditando em um forte fluxo cambial negativo, os investidores venderam suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo, que chegou a cair 9,56%. Mas os que não desejavam a paralisação do pregão por causa do "circuit breaker" conseguiram segurar o mercado antes que a queda chegasse a 10%. Alguns chegaram a falar na intervenção do governo, por intermédio de fundações e da BNDESPar.
Como os volumes negociados na Bolsa de Valores de São Paulo estão reduzidos -US$ 302,68 milhões ontem, contra algo em torno de US$ 600 milhões há um ano-, fica mais fácil segurar o mercado com compras modestas de ações e impedir o "circuit breaker".
Com a queda de ontem, o índice Bovespa, das ações mais negociadas em São Paulo, chegou a 5.915 pontos, o patamar mais baixo desde o dia 14 de setembro de 98, logo após a moratória russa, que foi decretada em agosto.
O Tesouro não conseguiu vender todos os títulos que levou a leilão no mercado interno ontem. Os bancos pediram taxas muito elevadas para carregá-las.
"Não dá para jogar toda a culpa no Itamar por toda a situação atual", diz Nicolas Balafas, diretor do BNP Asset Management. "É óbvio que a atitude de Itamar foi equivocada, mas o mercado está pressionado por causa do fluxo negativo de dólares no país", diz ele.
"Havia uma expectativa de que os bancos estrangeiros voltassem a emprestar ao Brasil em janeiro. O que está se percebendo é justamente o contrário", afirmou o presidente da Bolsa Mercantil & de Futuros, Manuel Felix Cintra Neto. "Até que as reformas da Previdência e fiscal sejam aprovadas, teremos momentos difíceis mesmo", acredita ele.
"O mercado está com o humor péssimo. O Brasil é hoje como um time que precisa vencer dez partidas sem nenhuma perda para ganhar o campeonato", diz Marcelo Guterman, do Lloys Asset Management.
Os investidores não acreditam que a votação do IOF seja capaz de reverter a situação. Crescem as expectativas de que o governo federal terá de tomar alguma atitude imediata para mudar o humor dos investidores.
"Se as coisas piorarem, resta o instrumento monetário, de aumento das taxas de juros", diz o presidente da BM&F. Com os juros mais altos, o governo federal busca tornar os investimentos em reais mais atrativos e tenta segurar os dólares que não param de sair do país.
Para outros especialistas, no entanto, o governo federal não terá outra alternativa que não seja mexer na taxa de câmbio. A moratória de Itamar, acreditam, só precipitou uma discussão, sobre a eficácia do atual modelo econômico.



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