São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

A CVM e o mercado

Provavelmente nenhum cabeça de planilha, desses que defendem avanços na regulação microeconômica, vai colocar a cabeça de fora. Mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, perdeu mais uma oportunidade de avançar na criação de um mercado regulado neste país, ao permitir a permanência, na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), da relação incestuosa entre o órgão e grandes bancas de advocacia carioca.
No mercado de capitais, a boa governança das empresas é garantida por um sistema de controle, que se inicia pela existência de conselhos consultivos e fiscais independentes, órgãos reguladores independentes, instituições representativas da sociedade civil e mídia.
Foi nesse período que vieram para o mundo real das sociedades anônimas os grupos que dominaram os ganhos financeiros nos anos 80 -bancos de investimento que enriqueceram à custa do acerto permanente dos juros do BC e dos índices de preços da FGV.
Com muito dinheiro, aproveitaram a fragilidade das empresas brasileiras, devido à política continuada de juros altos, para aquisições, dentro de uma ótica diferente da tradicional. Sua lógica é a de engenharias financeiras e societárias que permitissem conquistar ganhos de controle de grandes empresas ou arbitragens de curto prazo -comprar na baixa, conquistar um poder de monopólio e vender com lucro expressivo.
Na segunda metade dos anos 90 lograram conquistar um poder expressivo, seja por meio de um trabalho competente de reestruturação -como no caso AmBev-, seja por meio de jogadas societárias atrevidas, como no caso da Brasil Telecom.
Gradativamente esse grupo passou a estender seu poder sobre todos os órgãos públicos ou civis incumbidos da regulação do mercado brasileiro. Recentemente uma ONG do Paraná divulgou denúncias contra a Schincariol. As denúncias se comprovaram falsas e cresceu a suspeita de que por trás da ONG estaria a própria AmBev.
Associações de defesa dos minoritários, como essa Animec, também passaram a adotar atitudes polêmicas e claramente parciais, sendo rigorosas com algumas operações e fechando os olhos a outras.
Mas em nenhuma área essa permissividade foi tão grande quanto na CVM. Nos últimos anos, casos graves de manipulação de informações foram varridos para baixo do tapete, por meio de termos de compromisso inócuos. Grandes escritórios de advocacia do Rio passaram a ter uma influência intelectual decisiva sobre o órgão.
Nos próximos anos, o poder extraordinário dessas novas corporações, dessa nova classe de empresários financeiros, será um dos grandes desafios da soberania do Estado brasileiro -não essa soberania de fancaria, brandida por espíritos anacrônicos, mas aquela que se exige de qualquer mercado moderno.
Não pairam suspeitas sobre o novo presidente da CVM, Marcelo Trindade. Mas ele é intrinsecamente ligado ao mundo dos grandes escritórios de advocacia carioca. Perdeu-se a oportunidade de colocar à frente do órgão um reformador, que devolvesse à CVM o papel institucional que ela deixou de cumprir nos últimos anos.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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