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OPINIÃO ECONÔMICA
Giddens, Lula e a
ortodoxia convencional
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Comparando os elogios com
que economistas e líderes políticos americanos e europeus
brindaram Menem e sua política
econômica e hoje brindam Lula e
seus economistas com a ausência
de elogios correspondentes para
as autoridades dos países asiáticos dinâmicos, formulei uma medida de qualidade tão simples
quanto paradoxal, da qualidade
das políticas econômicas de um
país em desenvolvimento: quanto
mais elogios a política econômica
de um país de desenvolvimento
médio receber do Norte, pior será
ela para o próprio país.
A lógica por trás dessa regra é
simples. A partir de suas agências
em Washington, os países ricos
formularam uma série de diagnósticos e de políticas-padrão
destinadas a aconselhar os países
de desenvolvimento médio, como
o Brasil. A "ortodoxia convencional" resultante não promove o
desenvolvimento desses países,
mas neutraliza sua capacidade
competitiva, em princípio alta,
devido a sua mão-de-obra barata
e a sua capacidade de importar
tecnologia.
Dado o pressuposto da ortodoxia convencional de que o desenvolvimento é uma competição entre os países médios para conseguir poupança externa, a recomendação central é que lutem
por ela e, portanto, endividem-se.
Ganharão a competição os países
que mais estritamente seguirem
as recomendações e, assim, mais
financiamentos e investimentos
diretos receberem. Considerando,
porém, que poupança externa é
sinônimo de déficit em conta corrente, a experiência internacional
mostra exatamente o oposto:
crescem os países que não seguem
tal conselho e têm equilíbrio ou
superávits em conta corrente.
Mas isso não importa para a ortodoxia convencional, cuja lógica se
fecha com o fato de que, uma vez
aceito o conselho, os países ficarão dependentes dos credores para rolar suas dívidas e obrigados
à prática do "confidence building" -ou seja, a serem ainda
mais fiéis às recomendações e às
pressões vindas do Norte.
Já não me impressionam mais
os insistentes elogios à política
econômica do governo Lula: eles
apenas confirmam minha paradoxal medida. Quando, porém,
um grande intelectual, como é
Anthony Giddens, decide fazer
coro, não posso deixar em branco.
Comungo com ele uma perspectiva moderadamente de esquerda,
que celebrizou com o nome de
Terceira Via, e moderadamente
nacionalista, na medida em que
ele, como cidadão britânico, e eu,
como cidadão brasileiro, não obstante comprometidos com a solidariedade internacional, vejamos
nossos países e o mundo a partir
da perspectiva e dos interesses respectivamente do Brasil e do Reino
Unido.
Giddens elogia o governo Lula
em longa entrevista a esta Folha
(5 de março), na qual, entre outras coisas, afirma: "Em qualquer
governo de centro-esquerda, haverá os que dirão que ele não é suficientemente de esquerda, que
deveria gastar mais com o social.
Penso que a maioria das estratégias de Lula é correta. Ele teve de
ser cauteloso do ponto de vista fiscal, por causa da enorme dívida
brasileira. Você tem que saná-la,
do contrário gastará ainda mais
com pagamento de juros".
Meu caro Giddens, em primeiro
lugar, o governo Lula não é um
governo de esquerda. Transfere
dos pobres para os ricos (mais especificamente para os rentistas)
cerca de 6% do PIB por meio do
pagamento de juros escorchantes
decididos pelo Banco Central (estou supondo que 2% seriam necessários, dada a dívida pública).
Em segundo lugar, Lula não controlou o gasto público e só tem aumentado o superávit primário
graças ao aumento da carga tributária. Terceiro, Lula não segurou o gasto social: restringiu o
gasto em educação e saúde, mas
aumentou o gasto assistencialista.
Além de não ser de esquerda, o
governo Lula contém um viés antinacional. O Brasil não está incorrendo em déficit em conta corrente dadas as depreciações cambiais de 1999/2002 e a forte melhoria das relações de troca do país.
Mas o governo, paralisado pela
taxa de juros que pratica, está
deixando que a taxa de câmbio se
valorize de forma irresponsável.
Em dois ou três anos, esse populismo cambial levará o país a novos
problemas de balanço de pagamentos.
Nas duas vezes em que estive
em Oxford, fiquei impressionado
com o nacionalismo inglês: um
nacionalismo civilizado, social-liberal, adotado por uma nação
que sabe o que é e o que não é
conveniente para si própria. No
Brasil, isso não existe: nossas elites são dependentes; falta hoje à
nossa nação a necessária solidariedade e determinação; e o governo Lula, com a sua aceitação
generalizada da ortodoxia convencional, é mais uma triste expressão desses fatos. A fim de alcançar taxas razoáveis de desenvolvimento econômico, o Brasil
precisa de um controle muito
mais forte de sua despesa pública
e de uma estratégia para escapar
da armadilha de alta taxa de juros e baixa taxa de câmbio.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil:
1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
lcbresser@uol.com.br
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