São Paulo, sexta-feira, 13 de março de 2009

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Governo brasileiro quer G20 como nova diretoria mundial

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O governo brasileiro gostou tanto de uma frase atribuída ao ex-presidente norte-americano Bill Clinton ("Não se deve desperdiçar uma boa crise") que a está usando como argumento para sua principal reivindicação no âmbito do G20: a crise é uma oportunidade imperdível para promover a reforma da governança global, tema que emergiu incontáveis vezes nos últimos muitos anos, mas nunca foi avante.
Para o Brasil, a reforma é o terceiro tema central para o G20, ao lado dos dois que o presidente Barack Obama explicitou anteontem: programas globalmente coordenados de relançamento da economia, numa ponta, e reformulação da regulação do sistema financeiro internacional, na outra.
O governo brasileiro simpatiza com os Estados Unidos na questão do relançamento da economia, com mais gastos públicos, mas fica mais perto dos europeus, que pedem uma ampla reformulação da supervisão/regulação financeira, o que encontra alguma resistência entre os norte-americanos.
Mas o principal para o Brasil é, em primeiro lugar, consolidar o G20, composto pelas 20 maiores economias do planeta, como a sua nova diretoria econômico-financeira, em lugar do G8 (os sete países mais ricos do mundo e a Rússia).
O ministro Guido Mantega vem defendendo, faz tempo, a tese de que o G20, para ser de fato relevante na crise, deveria se transformar em um fórum de líderes, em vez de ficar como encontro periódico apenas de ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, como o foi desde o nascimento há exatos dez anos.
A tese vingou: houve uma primeira reunião de líderes (Washington, novembro passado) e haverá outra em abril, em Londres. Mas não está claro que, daqui para a frente, esse papel central do G20 será mantido ou se, passada a fase mais aguda da crise, o G8 retomará sua condição de diretoria informal do planeta.
Tanto é assim que, para a cúpula anual do G8, na Itália, em julho, o governo italiano já anunciou que haverá primeiro uma reunião apenas entre os oito para depois, no dia seguinte, incorporar o G5 (Brasil, México, África do Sul, Índia e China), participantes habituais nos dois últimos anos, que, desta vez, serão acompanhados pelo Egito, para abrir o foro a um país árabe.

Só cafezinho, não
Na reunião ministerial anterior do G20, em novembro, Mantega já havia mandado o recado de que o Brasil não quer ser convidado "apenas para o cafezinho".
Berlusconi, o anfitrião de 2009, está convidando para três refeições, e não só o cafezinho, mas sempre fica a perspectiva de que o G8 decida primeiro o prato que depois levará aos companheiros emergentes de viagem.
"O G8 não vai ceder alegremente espaço", ouviu a Folha na delegação brasileira que está em Londres. Mas está cedendo em várias outras áreas também importantes para a governança global.
Cedeu, por exemplo, em uma sigla que raramente aparece nos jornais, a Iosco (International Organization of Securities Comission, o grupo que cuida da vigilância das Bolsas no mundo). Até a crise, a direção da Iosco (seu comitê técnico) era composta de 15 países, todos desenvolvidos. No mês passado, Brasil, China e Índia ganharam lugar no comando.
Aliás, a Iosco é citada como modelo para a reforma da regulação financeira mundial. Ela estabelece padrões globais que, depois, cada país aplica nacionalmente. No Brasil, quem o faz é a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), xerife da Bolsa de Valores. Como há forte resistência nos Estados Unidos a permitir que uma entidade supranacional se incumba de regular/supervisar os seus mercados, o G20 tende a adotar o modelo Iosco: um mapa do caminho global, mas aplicação nacional.
Também no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial estão em discussão propostas que dão mais votos aos países emergentes, embora, no caso do Fundo, a nova distribuição de cotas -que equivalem a votos- só deva ser feita a partir de janeiro de 2011.
Mas é a consolidação do G20 como gerente planetário, ainda que informal, que tornaria mais significativa a reforma da governança global.


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