São Paulo, sábado, 13 de maio de 2006

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ANÁLISE

Lentidão do governo dá peso político à crise

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Às vésperas de ver Brasília invadida por produtores rurais (mobilizados por entidades do Mato Grosso), trabalhadores do campo (organizados pela Contag) e governadores (que choram prejuízos políticos e financeiros em função de queda na renda nos seus Estados), o governo diz ter "plena consciência da crise que afeta o setor rural", nas palavras do próprio ministro Roberto Rodrigues (Agricultura).
Esse reconhecimento, entretanto, vem com um certo atraso e, segundo avaliações de técnicos do próprio governo, só ajudou a fazer com que a crise financeira da área ganhasse um dimensão política maior que o normal. Afinal, 2006 é um ano de eleição, o que aumenta o poder de barganha nas negociações com o governo.
Com ânimos bastante acirrados, dificilmente o governo conseguirá fazer algo que agrade realmente. A situação poderia estar um pouco melhor se a medida anunciada ontem tivesse sido aprovada, por exemplo, em fevereiro, época em que a comercialização da soja foi iniciada.
De lá para cá, cerca de 25 milhões de toneladas foram vendidas e, agora, esse produtor só será beneficiado pela alta no preço que o governo espera provocar se ele tiver fechado o contrato com preço a fixar na hora da entrega do produto. Caso contrário, vai amargar o prejuízo, intensificando a crise no interior do país, onde o presidente Lula quer ganhar votos dos beneficiados por programas sociais.
O cenário crítico na agricultura, especialmente no segmento de soja, já estava claro nos números apresentados constantemente por Rodrigues à área econômica e que mostravam que, ano após ano, o caos se aproximava.
Em 2004, o valor bruto de toda produção de soja brasileira foi de R$ 35 bilhões, caindo para R$ 25 bilhões no ano seguinte e estimada em R$ 22 bilhões neste ano. Nesse período, o volume permaneceu estável em torno de 50 milhões de toneladas, segundo confirmou o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedekin.
A queda ocorreu devido ao aumento do custo e a queda no preço do produto. Por isso, é tão difícil descolar o anúncio de ontem do momento eleitoral e, talvez por isso também, Rodrigues e o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, tenham passado mais tempo negando que fosse uma medida eleitoral para esfriar os protestos programados para para terça em Brasília do que explicando a proposta em si.
Appy negou ainda que o pacote -que ainda será complementado no final do mês- esteja vinculado à mudança de gestão no comando da equipe econômica. É público que o ministro Guido Mantega (Fazenda) sempre esteve muito mais alinhado com as idéias ditas "desenvolvimentistas" da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) do que com as de seu antecessor Antonio Palocci.
Essa combinação de fatores expõe bem a estrutura inusitada da operação montada para garantir R$ 1 bilhão aos produtores de soja e que deixará a conta para ser paga no ano que vem. "Nunca vi restos a pagar programados. Isso é uma novidade total. Não é uma boa prática fiscal", diz Raul Velloso, especialista em contas públicas.
(SHEILA D"AMORIM)


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