São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Agências e agências


Agências reguladoras propriamente ditas só se justificam quando o setor a ser regulado é monopolista

O PRESIDENTE Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião do Conselho Político, afirmou: "Não é possível que um presidente da República, eleito, que tem que prestar contas à população, tenha menos poder do que um diretor que foi indicado para um mandato de cinco anos e não pode ser demitido". O presidente tem razão: não é nem razoável nem democrático estabelecer mandatos para as chamadas "agências reguladoras", exceto a Aneel e a Anatel. As demais, ainda que chamadas reguladoras, são agências executivas que devem ter uma autonomia administrativa maior do que departamentos ou secretarias, mas não podem ter autonomia política; devem estar subordinadas diretamente ao respectivo ministro.
Está havendo no Brasil uma grande confusão a respeito das agências reguladoras -uma confusão que se expressa no próprio projeto de lei que o governo levou ao Congresso Nacional. Está-se confundindo autonomia administrativa, ou seja, maior liberdade na administração de pessoal e de recursos financeiros, com autonomia política, com a existência de mandatos para a diretoria e seu poder de definir políticas. Toda agência necessita autonomia administrativa; essa maior liberdade faz parte do conceito de agência e da filosofia da reforma da gestão pública.
Entretanto, as agências, em sua grande maioria, são ou devem ser "agências executivas" que implementam as políticas regulatórias decididas pelo Congresso e pelo Poder Executivo, não se justificando que se lhes atribua autonomia política.
Agências reguladoras propriamente ditas só se justificam quando o setor a ser regulado é monopolista e se necessita de uma agência para estabelecer preços e fiscalizar. Nesse caso, os investidores devem ter uma razoável garantia de que a agência definirá esses preços independentemente de qualquer política do governo, mas de acordo com uma diretriz de Estado: a de que os preços devem ser definidos como se mercado competitivo houvesse.
Mesmo nesse caso as demais políticas do setor devem ser responsabilidade do Congresso e do Executivo, ou seja, dos representantes políticos da nação.
No Brasil, já existem dez "agências reguladoras", mas apenas duas merecem esse nome -a Anatel e a Aneel-, porque devem estabelecer os preços em mercados não-competitivos. Não é por acaso que foram as duas primeiras agências a serem criadas. Estava-se fazendo uma reforma constitucional para permitir a privatização de empresas de telefonia fixa e de energia elétrica naquele momento e era essencial que se atribuísse às diretorias dessas agências uma autonomia política real. Como ministro da Administração Pública e Reforma do Estado na época, lutei firmemente nessa direção.
Já naquele momento, porém, não fazia sentido dar autonomia política à agência que regula o petróleo, como também não faz sentido dotar de autonomia política diretores de agências para regular e fiscalizar medicamentos, provedores de sistema de saúde privados, cinema, águas, transportes e, naturalmente, o tráfego aéreo. Dar autonomia política a essas agências, além de ser antidemocrático, é perigoso. É verdade que os políticos não são tão confiáveis quanto desejamos, mas não há razão para acreditar que sejam menos confiáveis do que técnicos. Ambos são corrompíveis pelas empresas reguladas, mas o político, além de ter que responder à lei, deve responder a seus eleitores, que podem não reelegê-lo. Essa é a lógica e a força da democracia.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br


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