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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Agências e agências
Agências reguladoras propriamente ditas só se
justificam quando o setor a
ser regulado é monopolista
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O PRESIDENTE Luiz Inácio Lula
da Silva, em reunião do Conselho Político, afirmou: "Não
é possível que um presidente da República, eleito, que tem que prestar
contas à população, tenha menos
poder do que um diretor que foi indicado para um mandato de cinco
anos e não pode ser demitido". O
presidente tem razão: não é nem razoável nem democrático estabelecer mandatos para as chamadas
"agências reguladoras", exceto a
Aneel e a Anatel. As demais, ainda
que chamadas reguladoras, são
agências executivas que devem ter
uma autonomia administrativa
maior do que departamentos ou secretarias, mas não podem ter autonomia política; devem estar subordinadas diretamente ao respectivo
ministro.
Está havendo no Brasil uma grande confusão a respeito das agências
reguladoras -uma confusão que se
expressa no próprio projeto de lei
que o governo levou ao Congresso
Nacional. Está-se confundindo autonomia administrativa, ou seja,
maior liberdade na administração
de pessoal e de recursos financeiros,
com autonomia política, com a existência de mandatos para a diretoria
e seu poder de definir políticas. Toda
agência necessita autonomia administrativa; essa maior liberdade faz
parte do conceito de agência e da filosofia da reforma da gestão pública.
Entretanto, as agências, em sua
grande maioria, são ou devem ser
"agências executivas" que implementam as políticas regulatórias decididas pelo Congresso e pelo Poder
Executivo, não se justificando que se
lhes atribua autonomia política.
Agências reguladoras propriamente ditas só se justificam quando
o setor a ser regulado é monopolista
e se necessita de uma agência para
estabelecer preços e fiscalizar. Nesse caso, os investidores devem ter
uma razoável garantia de que a
agência definirá esses preços independentemente de qualquer política do governo, mas de acordo com
uma diretriz de Estado: a de que os
preços devem ser definidos como se
mercado competitivo houvesse.
Mesmo nesse caso as demais políticas do setor devem ser responsabilidade do Congresso e do Executivo,
ou seja, dos representantes políticos
da nação.
No Brasil, já existem dez "agências
reguladoras", mas apenas duas merecem esse nome -a Anatel e a
Aneel-, porque devem estabelecer
os preços em mercados não-competitivos. Não é por acaso que foram as
duas primeiras agências a serem
criadas. Estava-se fazendo uma reforma constitucional para permitir
a privatização de empresas de telefonia fixa e de energia elétrica naquele momento e era essencial que
se atribuísse às diretorias dessas
agências uma autonomia política
real. Como ministro da Administração Pública e Reforma do Estado na
época, lutei firmemente nessa direção.
Já naquele momento, porém, não
fazia sentido dar autonomia política
à agência que regula o petróleo, como também não faz sentido dotar de
autonomia política diretores de
agências para regular e fiscalizar
medicamentos, provedores de sistema de saúde privados, cinema,
águas, transportes e, naturalmente,
o tráfego aéreo. Dar autonomia política a essas agências, além de ser antidemocrático, é perigoso. É verdade que os políticos não são tão confiáveis quanto desejamos, mas não há
razão para acreditar que sejam menos confiáveis do que técnicos. Ambos são corrompíveis pelas empresas reguladas, mas o político, além
de ter que responder à lei, deve responder a seus eleitores, que podem
não reelegê-lo. Essa é a lógica e a força da democracia.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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