São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Ouro preto e sombras


Governo tem razão em querer rediscutir modelo do petróleo, mas pouco se sabe do destino da receita atual com royalties

O PETRÓLEO rendeu cerca de R$ 18 bilhões para o governo federal nos últimos 12 meses (até junho, sem correção monetária). Trata-se da receita de royalties e participações especiais na produção de petróleo e gás -não se considerou, pois, a receitas de impostos ou dividendos da Petrobras. Talvez não pareça muito, cerca de 4% da receita líquida do Tesouro Nacional.
No primeiro semestre, a arrecadação de royalties etc. foi menor que o lucro da Petrobras no período: R$ 9,8 bilhões contra R$ 15,7 bilhões.
Mas um ano de royalties etc. é dinheiro equivalente a quase metade da falecida CPMF, que rendeu tanta polêmica. Ou 50% mais do que o governo pretendia arrecadar com a nova CPMF, a ainda insepulta CSS, Contribuição Social sobre a Saúde.
Ou mais do que um terço do orçamento federal para a saúde. Ou, ainda, seria o bastante para pagar duas ou três vezes a despesa extra com o aumento do piso nacional do salário dos professores. Mas não se sabe para onde vai o dinheiro do petróleo.
De qualquer modo, o valor dá a dimensão do que pode estar em jogo se o petróleo do pré-sal de fato existir nas quantidades exorbitantes chutadas. Dadas todas as incertezas sobre modelo de exploração e taxação do novo petróleo, início das exploração comercial, ritmo de extração e, de resto, sobre o preço futuro da commodity, o cálculo da arrecadação é por ora uma pilhéria.
Mas não é despropositado imaginar que a dinheirama possa tanto revolucionar os padrões de financiamento das despesas ditas sociais como ajudar a instituir máquinas mafiosas ainda maiores de desperdício e corrupção no Estado. Ou criar empresas-mamute, cuja influência política e comercial poderia ser perniciosa, como diz o argumento luliano, descontados exageros caricaturais.
Isto posto, não é desarrazoado colocar ao menos em discussão toda a legislação do petróleo, proposta atacada com terrorismo por mercadistas e pelo tucanismo de direita, que foi tão competente na gestão dos seus desastres energéticos. Isso não quer dizer que o melhor a fazer é criar outra estatal ou o "modelo norueguês", que o governo namora.
Mas é preciso considerar o risco de demoras e arranjos políticos suspeitos dessa reforma da natureza do petróleo brasileiro. A julgar pelos resultados da reunião ministerial de ontem, a coisa ainda vai longe: é difícil que o governo redija projetos de leis antes do final do ano (só o debate interno ainda deve durar dois meses no governo). Depois virá a disputa no Congresso. E estaremos na bica do último ano do governo petista.
Ok, o pré-sal não se torna comercial antes de 2013, 2014. Mas ontem se soube também que o governo vai retomar as concessões este ano, mas em em áreas ainda mais restritas -melhor que nada, mas ainda menos. Há o risco de o governo desregular o mercado antes de regulamentá-lo de novo, deprimindo a exploração nos próximos anos. Pior ainda é a criação de um megacampo de exploração público-privada, digamos, das transações políticas e comerciais envolvidas na criação do novo negócio do petróleo. O exemplo da falta de transparência (no caso da petroquímica) ou de aparente trambicagem (no setor aéreo e nas teles) ainda está fresquíssimo. Ou apodrecendo, para dizê-lo melhor.

vinit@uol.com.br


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