São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2004

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LÍDER DE AUDIÊNCIA

Com mais de 600 mil instalações clandestinas, operações crescem à sombra da concessionária oficial que não chega a favelas e regiões carentes

No Rio de Janeiro, "TV a gato" tem mais assinantes que a Net

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
antenista Tibério da Silva mostra emaranhado de cabos em poste da favela Vila Canoas, em São Conrado, no Rio de Janeiro


ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Pelo menos 640 favelas e loteamentos irregulares do Rio de Janeiro têm sistemas piratas de TVs a cabo operados por empresas informais das comunidades.
Não há dados oficiais sobre o número de assinantes dessas operações, mas estima-se que sejam mais de 600 mil na cidade do Rio de Janeiro, contra 260 mil assinantes da Net Serviços, que tem a concessão do serviço de TV a cabo no município.
As operações informais são conhecidas entre os usuários como "TV a gato" e "gato Net". Há empresas com mais de 10 mil assinantes. Elas crescem à sombra da concessionária oficial que não chega às favelas e regiões carentes. Outro fator de proliferação é a má qualidade da recepção dos sinais das televisões abertas. Há informais que só distribuem canais abertos (como Globo, SBT, Bandeirantes), mas são minoria.
A mensalidade das "TVs a gato", no Rio, varia de R$ 10,00 a R$ 23,00, dependendo do número de canais oferecidos, mas a média é em torno de R$ 15,00. O pacote mais barato da Net no Rio, com 49 canais, custa R$ 69,60. Os distribuidores informais captam a programação do satélite e os redistribuem para as residências.
O Rio de Janeiro é o Estado com maior número de operações informais em atividade. A Net atribui o fenômeno à topografia da cidade, sobretudo à das favelas que são encravadas nos morros. Mas também há operações em outros Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
As "TVs a gato" querem sair da clandestinidade e serem reconhecidas pelo governo. No sábado, reuniram-se em Jacarepaguá (zona oeste) cerca de 400 pequenos distribuidores de sinais de TV em áreas carentes para discutir os problemas. A maior queixa é sobre achaques de policiais.
Os informais que só distribuem canais abertos se autodenominam antenistas. Eles criaram uma entidade para defender os interesses do setor no governo, a Abetelmim (Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações e Melhoramento de Imagens e Atividades Afins), que conta com 38 associados.
O presidente da entidade, Giovander da Silveira, diz que os antenistas existem há mais de 30 anos no Brasil, e que foram ignorados pelo governo na regulamentação da Lei da TV a Cabo, de janeiro de 1995. "Fizeram uma lei do primeiro mundo para um país pobre. Só a elite tem TV a cabo no Brasil", diz ele.
Giovander distribui sinais de TV por cabo em duas favelas de Jacarepaguá e na Baixada Fluminense. Ele atende 3.500 residências. A mensalidade é de R$ 12,00 para pagamento em dia e de R$ 13,00 com atraso.
O vice-presidente da Abetelmim, Pedro da Silva Alomba, é sócio da Sisconit, que atua em três favelas da cidade: Vidigal (zona sul), morro do Banco (Itanhagá, zona oeste) e no Alto da Boa Vista, na zona norte. Criada em fevereiro de 2000, a empresa tem 10 mil clientes.
A Abetelmim quer a aprovação do projeto de lei 4.904, que propõe a criação do serviço DTVA (Distribuição de Sinais de TV Aberta). Segundo Silveira, seria uma forma de regulamentar a atividade de antenista. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
A alternativa, no entanto, não resolve a situação da grande maioria das operadoras que redistribuem canais pagos.
Em dezembro do ano passado, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) colocou em consulta pública uma proposta de regulamentação das operações piratas em favelas e outras áreas carentes.
As "TVs a gato" receberiam outorga de EDS (Entidade Distribuidora de Sinais) para retransmitir a programação das concessionárias de TVs a cabo, mediante contrato entre elas.
O texto proposto pela Anatel prevê a atuação de EDS em lugares onde a recepção dos sinais das televisões abertas seja tecnicamente inviável e nas áreas onde as concessionárias de TVs a cabo não chegam. Até agora, o regulamento não foi aprovado.

Parceria comercial
A Net Serviços -maior empresa de televisão por assinatura do país, controlada pelas Organizações Globo- vem se aproximando há um ano e meio das operadoras piratas de TV a cabo que atuam nas favelas. O objetivo é fazer uma parceria comercial.
A aproximação da Net com as "TVs a gato" é feita pelo diretor da empresa e vice-presidente da ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura), Fernando de Melo Mousinho, que defende a regulamentação dessas operadoras pela Anatel.
Ele reconhece que a Net não oferece seu serviço nas favelas: ""Não temos competência para entrar nas favelas e fornecer os serviços a pessoas que não têm cadastro, CEP nem endereço definido. Essas comunidades têm uma forma de organização particular e a empresa precisa buscar uma forma de integrar sua organização a delas".
Mousinho disse que a Anatel havia prometido regulamentar, até o final de agosto, a atuação das distribuidoras de sinais de TV em favelas, o que não aconteceu. Segundo ele, o Conselho de Comunicação do Congresso opinou que não seria necessário regulamentação governamental.
A Net, segundo o executivo, defende a regulamentação para definir a responsabilidade de cada uma das partes. Segundo ele, numa eventual parceria, a programação a ser oferecida incluiria três ou quatro canais pagos, além dos canais abertos, com mensalidade de cerca de R$ 15,00. A proposta da Net é que ela fique com um quarto da receita.

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