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BENJAMIN STEINBRUCH
A mensagem de um telegrafista
A hora de qualificar e requalificar é agora, quando a produção aumenta e demanda cada vez mais mão-de-obra
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O TELEGRAFISTA Malaquias é
uma lembrança de infância.
Senhor elegante, que não
saía de casa sem paletó e gravata e
que alguns diziam ser comunista,
trabalhou no antigo DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) por
anos a fio. No início da década de
1960, estava aposentado. Aliás, aposentou-se precocemente, quando os
velhos telégrafos começaram a ser
substituídos pelas então moderníssimas e velozes máquinas de telex.
Mesmo não sendo o chefe, Malaquias era o funcionário mais importante da agência dos Correios da cidade do interior onde trabalhava.
Respeitadíssimo, porque só ele conhecia o código Morse e conseguia
decifrar os traços e pontos que
saíam na longa fita do telégrafo. As
mensagens, sempre curtas e urgentes, para rir ou chorar, vinham em
linguagem telegráfica, sem artigos
nem preposições: "Informo nascimento filho Fernando"; "Comunico
pesar falecimento avô Antônio".
Ao chegar, em 1960, o telex ameaçou o emprego dos telegrafistas. As
mensagens já vinham decifradas, e a
fluência em código Morse não servia
mais para nada. Malaquias não teve
oportunidade para aprender a operar aquela máquina moderna que
martelava letra por letra com teclas
de aço. Requereu aposentadoria.
Os Correios já tinham naquela
época milhares de agências pelo
país. Em cada uma, pelo menos um
telegrafista. Nem todos tiveram o
destino de Malaquias. Muitos passaram por requalificação profissional
e aprenderam outros ofícios, inclusive o de teletipista.
A história de Malaquias vem à memória quando leio levantamento do
Ipea sobre a demanda e o perfil dos
trabalhadores formais na indústria
em 2007. O resultado é inusitado. A
previsão de criação de empregos formais no setor atinge 446 mil vagas
neste ano, enquanto a estimativa de
oferta de mão-de-obra qualificada é
de apenas 329 mil trabalhadores. A
indústria terá, portanto, 117 mil vagas não preenchidas durante o ano.
Então, acabou o desemprego na
indústria? Não é isso que se está falando. Há no país um enorme contingente de mão-de-obra não qualificada -mais de 9 milhões de pessoas procuram emprego.
É curioso observar que os setores
da indústria em que há mais deficiência de pessoal qualificado não
são os de avançada tecnologia. São
os de produtos mecânicos, extração
mineral, minerais metálicos, e até
têxtil, vestuário e calçados, conhecidos como velha economia.
Essa constatação explicita a urgência de ampliação de programas
de qualificação e requalificação profissional no país. Tocar esses programas não é responsabilidade apenas do governo mas também de empresas e entidades empresariais.
Durante os anos de crescimento
medíocre, os programas desse tipo
perderam credibilidade. Os trabalhadores submetidos à requalificação sofriam para conseguir emprego
quase tanto quanto os que não faziam curso. Resultado óbvio, porque
as empresas, sem ânimo nem capital
para expansões, não investiam e os
postos de trabalho minguavam.
Mas a situação atual é bem diferente, como mostra o levantamento
do Ipea. A hora de qualificar e requalificar é agora, quando a produção
aumenta e demanda cada vez mais
mão-de-obra.
É lamentável que se pense em cortar verbas de entidades que atuam
nessa área. A velocidade das transformações e modernizações atuais é
infinitamente maior que a dos tempos do telégrafo e exige a constante
adaptação da mão-de-obra. Não
convém negligenciar a promoção
desses programas. Centenas de milhares de Malaquias esperam por
eles.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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