São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

A mensagem de um telegrafista


A hora de qualificar e requalificar é agora, quando a produção aumenta e demanda cada vez mais mão-de-obra

O TELEGRAFISTA Malaquias é uma lembrança de infância. Senhor elegante, que não saía de casa sem paletó e gravata e que alguns diziam ser comunista, trabalhou no antigo DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) por anos a fio. No início da década de 1960, estava aposentado. Aliás, aposentou-se precocemente, quando os velhos telégrafos começaram a ser substituídos pelas então moderníssimas e velozes máquinas de telex.
Mesmo não sendo o chefe, Malaquias era o funcionário mais importante da agência dos Correios da cidade do interior onde trabalhava. Respeitadíssimo, porque só ele conhecia o código Morse e conseguia decifrar os traços e pontos que saíam na longa fita do telégrafo. As mensagens, sempre curtas e urgentes, para rir ou chorar, vinham em linguagem telegráfica, sem artigos nem preposições: "Informo nascimento filho Fernando"; "Comunico pesar falecimento avô Antônio".
Ao chegar, em 1960, o telex ameaçou o emprego dos telegrafistas. As mensagens já vinham decifradas, e a fluência em código Morse não servia mais para nada. Malaquias não teve oportunidade para aprender a operar aquela máquina moderna que martelava letra por letra com teclas de aço. Requereu aposentadoria.
Os Correios já tinham naquela época milhares de agências pelo país. Em cada uma, pelo menos um telegrafista. Nem todos tiveram o destino de Malaquias. Muitos passaram por requalificação profissional e aprenderam outros ofícios, inclusive o de teletipista.
A história de Malaquias vem à memória quando leio levantamento do Ipea sobre a demanda e o perfil dos trabalhadores formais na indústria em 2007. O resultado é inusitado. A previsão de criação de empregos formais no setor atinge 446 mil vagas neste ano, enquanto a estimativa de oferta de mão-de-obra qualificada é de apenas 329 mil trabalhadores. A indústria terá, portanto, 117 mil vagas não preenchidas durante o ano.
Então, acabou o desemprego na indústria? Não é isso que se está falando. Há no país um enorme contingente de mão-de-obra não qualificada -mais de 9 milhões de pessoas procuram emprego. É curioso observar que os setores da indústria em que há mais deficiência de pessoal qualificado não são os de avançada tecnologia. São os de produtos mecânicos, extração mineral, minerais metálicos, e até têxtil, vestuário e calçados, conhecidos como velha economia.
Essa constatação explicita a urgência de ampliação de programas de qualificação e requalificação profissional no país. Tocar esses programas não é responsabilidade apenas do governo mas também de empresas e entidades empresariais.
Durante os anos de crescimento medíocre, os programas desse tipo perderam credibilidade. Os trabalhadores submetidos à requalificação sofriam para conseguir emprego quase tanto quanto os que não faziam curso. Resultado óbvio, porque as empresas, sem ânimo nem capital para expansões, não investiam e os postos de trabalho minguavam.
Mas a situação atual é bem diferente, como mostra o levantamento do Ipea. A hora de qualificar e requalificar é agora, quando a produção aumenta e demanda cada vez mais mão-de-obra.
É lamentável que se pense em cortar verbas de entidades que atuam nessa área. A velocidade das transformações e modernizações atuais é infinitamente maior que a dos tempos do telégrafo e exige a constante adaptação da mão-de-obra. Não convém negligenciar a promoção desses programas. Centenas de milhares de Malaquias esperam por eles.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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