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ANÁLISE
"Desenvolvimentistas" ganham, mas não festejam
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
A queda de Gustavo Franco foi a
vitória que o grupo batizado de
"desenvolvimentista" do governo
Fernando Henrique Cardoso esperava desde o início do mandato,
mas que, ocorrida ontem, não pôde ser comemorada.
No máximo, conforme a Folha
ouviu ontem junto ao grupo, a angústia que diziam estar sentindo
nos últimos dias, com o agravamento da crise, foi substituída por
um suspiro de alívio.
Mas a comemoração terá que ser
adiada para quando e se ficar comprovado ter sido suficiente a desvalorização de 8,6% do real.
A dúvida sobre a suficiência ou
não da desvalorização, muito presente no mercado, era compartilhada por todos no governo "desenvolvimentistas" ou "monetaristas", como são batizados os dois
grupos contrapostos, com toda a
precariedade desse tipo de rótulos.
Se a desvalorização de ontem se
revelar insuficiente, não haverá ganhadores na surda e discreta batalha interna no governo. Os dois lados perderão pela devastação econômica que tenderá a provocar
uma desvalorização descontrolada, a exemplo do que ocorreu em
vários países asiáticos e na Rússia.
De todo modo, o grupo tido como "desenvolvimentista" achava
que a mudança de política cambial
veio tarde, mas não tarde demais.
Ela deveria ter sido aplicada em
setembro do ano passado, assim
que a crise russa provocou uma
violenta onda de desconfiança sobre todos os mercados emergentes, Brasil inclusive.
Foi, aliás, a proposta feita à época
pelo então ministro de Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de
Barros, depois incinerado pelo
grampo telefônico.
Mendonça de Barros transformara-se na cabeça mais visível do
grupo, do qual fazem parte também, entre outros, os ministros
Paulo Renato (Educação) e José
Serra (Saúde).
Na outra ponta, os chamados
"monetaristas" são capitaneados,
sempre nessa versão simplificadora, pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e pelo até ontem presidente do BC, Gustavo Franco.
Os "desenvolvimentistas" acham
que a desvalorização, embora tardia, ocorreu de todo modo em um
momento em que o país "ainda
tem bala", na expressão de um deles, em alusão ao volume de reservas internacionais.
Pontos de discórdia
A disputa entre os dois grupos
nasceu, a rigor, junto com o governo Fernando Henrique.
Gira, em resumo, em torno dos
seguintes pontos básicos:
Ajuste fiscal - Os dois grupos são
a favor, mas discordam da ênfase.
Os "desenvolvimentistas" acusam
os "monetaristas" de pôr toda a
ênfase no corte de gastos e dizem
que é impossível praticá-los em
áreas como educação e saúde (não
por acaso chefiadas pelas principais figuras do "desenvolvimentismo").
Acreditam que a questão é mais
complicada pois a essência do
ajuste é política: cortar supostos
benefícios de uma classe média
formada por funcionários públicos, militares e professores universitários.
Área externa - Os "desenvolvimentistas" insistiram, desde o início do governo, em que era preciso
trabalhar junto ao mundo rico para que fossem adotadas providências de controle sobre o imenso
fluxo de capitais especulativos. Tese, aliás, que o presidente da República defendeu reiteradamente em
foros internacionais.
Já os "monetaristas" não só não
adotavam idêntica ênfase como
deixavam claro que o problema
brasileiro se resolveria internamente, por meio do ajuste fiscal.
Juros - A crítica dos "desenvolvimentistas" se dirige ao que consideram "overshooting" permanente dos juros. Ou seja, admitem que,
em momentos de turbulência, foi
preciso, de fato, subir muito os juros, mas que seus adversários
"monetaristas" foram pouco audaciosos na redução deles, quando
a situação se acalmava mesmo que
pouco.
Taxa de câmbio - Os "desenvolvimentistas" juram que insistiram
em vários momentos para que o
governo fizesse o que, afinal, só foi
feito ontem, ou seja, flexibilizar o
câmbio.
Esse resumo lista apenas diferenças de concepções entre os "desenvolvimentistas" moderados e seus
rivais. O ministro José Serra, tido
como xiita até pelos seus companheiros de concepções, tinha propostas mais radicais, entre elas o
aumento das alíquotas do imposto
de importação e medidas para reduzir o gasto de brasileiros em viagens ao exterior.
Como o xiita do outro lado era
Gustavo Franco, tornou-se natural
que a disputa entre ele e Serra azedasse até as relações pessoais entre
eles. Hoje, mal se falam.
Com Malan, ao contrário, as relações são normais, até porque o
ministro da Fazenda é visto como
funcionário público exemplar, que
apenas segue orientações superiores, embora, como é óbvio, também influa na definição de políticas.
A batalha interna foi mantida relativamente longe dos holofotes,
mas a queda de Franco acabou por
expô-la com toda a nitidez, na nota
oficial do próprio Franco, onde se
lê:
"Tornou-se natural que os dois
assuntos -meu desligamento e a
flexibilização nas políticas de juro
e câmbio- devessem ser considerados em conjunto".
O problema é que "flexibilização" está longe de representar uma
mudança real de políticas que satisfaça o grupo em princípio vitorioso agora.
Pior: em ambos os lados, reconhece-se que não há uma base política de apoio suficiente para respaldar uma ou outra linha.
Por mais que os "desenvolvimentistas" festejem a nota oficial
de anteontem dos governadores
aliados do governo, com ênfase na
linha por eles defendida, queixam-se de que a base governista no
Congresso é "gelatinosa".
Não serve, pois, nem para consolidar o aparente ganho dos "desenvolvimentistas" nem para reforçar
o suposto "monetarismo" do outro lado.
O que, por sua vez, significa que a
vitória aparente de ontem foi apenas parcial e novos lances terão
que ser feitos, se e quando a crise
permitir.
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