São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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ANÁLISE

"Desenvolvimentistas" ganham, mas não festejam

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

A queda de Gustavo Franco foi a vitória que o grupo batizado de "desenvolvimentista" do governo Fernando Henrique Cardoso esperava desde o início do mandato, mas que, ocorrida ontem, não pôde ser comemorada.
No máximo, conforme a Folha ouviu ontem junto ao grupo, a angústia que diziam estar sentindo nos últimos dias, com o agravamento da crise, foi substituída por um suspiro de alívio.
Mas a comemoração terá que ser adiada para quando e se ficar comprovado ter sido suficiente a desvalorização de 8,6% do real.
A dúvida sobre a suficiência ou não da desvalorização, muito presente no mercado, era compartilhada por todos no governo "desenvolvimentistas" ou "monetaristas", como são batizados os dois grupos contrapostos, com toda a precariedade desse tipo de rótulos.
Se a desvalorização de ontem se revelar insuficiente, não haverá ganhadores na surda e discreta batalha interna no governo. Os dois lados perderão pela devastação econômica que tenderá a provocar uma desvalorização descontrolada, a exemplo do que ocorreu em vários países asiáticos e na Rússia.
De todo modo, o grupo tido como "desenvolvimentista" achava que a mudança de política cambial veio tarde, mas não tarde demais.
Ela deveria ter sido aplicada em setembro do ano passado, assim que a crise russa provocou uma violenta onda de desconfiança sobre todos os mercados emergentes, Brasil inclusive.
Foi, aliás, a proposta feita à época pelo então ministro de Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, depois incinerado pelo grampo telefônico.
Mendonça de Barros transformara-se na cabeça mais visível do grupo, do qual fazem parte também, entre outros, os ministros Paulo Renato (Educação) e José Serra (Saúde).
Na outra ponta, os chamados "monetaristas" são capitaneados, sempre nessa versão simplificadora, pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e pelo até ontem presidente do BC, Gustavo Franco.
Os "desenvolvimentistas" acham que a desvalorização, embora tardia, ocorreu de todo modo em um momento em que o país "ainda tem bala", na expressão de um deles, em alusão ao volume de reservas internacionais.

Pontos de discórdia
A disputa entre os dois grupos nasceu, a rigor, junto com o governo Fernando Henrique.
Gira, em resumo, em torno dos seguintes pontos básicos:
Ajuste fiscal - Os dois grupos são a favor, mas discordam da ênfase. Os "desenvolvimentistas" acusam os "monetaristas" de pôr toda a ênfase no corte de gastos e dizem que é impossível praticá-los em áreas como educação e saúde (não por acaso chefiadas pelas principais figuras do "desenvolvimentismo").
Acreditam que a questão é mais complicada pois a essência do ajuste é política: cortar supostos benefícios de uma classe média formada por funcionários públicos, militares e professores universitários.
Área externa - Os "desenvolvimentistas" insistiram, desde o início do governo, em que era preciso trabalhar junto ao mundo rico para que fossem adotadas providências de controle sobre o imenso fluxo de capitais especulativos. Tese, aliás, que o presidente da República defendeu reiteradamente em foros internacionais.
Já os "monetaristas" não só não adotavam idêntica ênfase como deixavam claro que o problema brasileiro se resolveria internamente, por meio do ajuste fiscal.
Juros - A crítica dos "desenvolvimentistas" se dirige ao que consideram "overshooting" permanente dos juros. Ou seja, admitem que, em momentos de turbulência, foi preciso, de fato, subir muito os juros, mas que seus adversários "monetaristas" foram pouco audaciosos na redução deles, quando a situação se acalmava mesmo que pouco.
Taxa de câmbio - Os "desenvolvimentistas" juram que insistiram em vários momentos para que o governo fizesse o que, afinal, só foi feito ontem, ou seja, flexibilizar o câmbio.
Esse resumo lista apenas diferenças de concepções entre os "desenvolvimentistas" moderados e seus rivais. O ministro José Serra, tido como xiita até pelos seus companheiros de concepções, tinha propostas mais radicais, entre elas o aumento das alíquotas do imposto de importação e medidas para reduzir o gasto de brasileiros em viagens ao exterior.
Como o xiita do outro lado era Gustavo Franco, tornou-se natural que a disputa entre ele e Serra azedasse até as relações pessoais entre eles. Hoje, mal se falam.
Com Malan, ao contrário, as relações são normais, até porque o ministro da Fazenda é visto como funcionário público exemplar, que apenas segue orientações superiores, embora, como é óbvio, também influa na definição de políticas.
A batalha interna foi mantida relativamente longe dos holofotes, mas a queda de Franco acabou por expô-la com toda a nitidez, na nota oficial do próprio Franco, onde se lê:
"Tornou-se natural que os dois assuntos -meu desligamento e a flexibilização nas políticas de juro e câmbio- devessem ser considerados em conjunto".
O problema é que "flexibilização" está longe de representar uma mudança real de políticas que satisfaça o grupo em princípio vitorioso agora.
Pior: em ambos os lados, reconhece-se que não há uma base política de apoio suficiente para respaldar uma ou outra linha.
Por mais que os "desenvolvimentistas" festejem a nota oficial de anteontem dos governadores aliados do governo, com ênfase na linha por eles defendida, queixam-se de que a base governista no Congresso é "gelatinosa".
Não serve, pois, nem para consolidar o aparente ganho dos "desenvolvimentistas" nem para reforçar o suposto "monetarismo" do outro lado.
O que, por sua vez, significa que a vitória aparente de ontem foi apenas parcial e novos lances terão que ser feitos, se e quando a crise permitir.



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