São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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BASTIDOR/SAÍDA

Fuga de dólares antecipa troca de comando

da Sucursal de Brasília

A fuga de US$ 1,2 bilhão registrada anteontem, estimulada em parte pelos boatos sobre a iminente queda de Gustavo Franco, antecipou a troca no comando do Banco Central e a adoção do "Plano Lopes" -o ajuste na política cambial elaborado pelo novo presidente do BC, Francisco Lopes.
A rapidez da saída de dólares verificada no início desta semana agravou as divergências entre Franco e Lopes. Antes de o mercado fechar anteontem, já estava claro: só haveria espaço para um deles no Banco Central, o principal responsável pela estabilidade da moeda.
A saída de Franco estava planejada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para março, depois que as principais medidas do ajuste fiscal estivessem votadas no Congresso. As circunstâncias mudaram o cronograma inicial.
Lopes começou a virar presidente do BC no final do ano passado. Era ele quem vinha traçando, a pedido do ministro Pedro Malan (Fazenda), a correção no real.
O plano de ajuste nas políticas de câmbio e juros ganhou contornos nítidos no último dia 5, terça-feira passada, quando foi levado ao presidente da República. Nesse dia, reuniram-se no Palácio do Planalto FHC, Malan e Lopes.
Franco estava ficando cada vez mais isolado. Na sexta-feira, dia 9, o pedido de demissão apresentado pelo presidente do BC dois meses antes foi finalmente aceito por FHC. Franco recebeu o comunicado do presidente por telefone. A mudança tinha data marcada. Aconteceria na semana que vem.
A sangria das reservas durante a terça-feira, no entanto, obrigou o governo a mudar mais uma vez os planos. Já não havia dúvida: a situação do Real era insustentável. Precisava de um remédio imediato.

Lopes banca
A substituição de Franco por Lopes começou a ser definida no ano passado. No final de novembro, o então diretor de Política Monetária do BC chegou a escrever uma carta de demissão. Deixaria o governo por absoluta incompatibilidade com Gustavo Franco.
Malan pediu que ficasse. E mais: acenou com a possibilidade de promoção, confirmada, afinal, ontem.
Desde a moratória russa, em agosto, o governo vinha debatendo internamente a necessidade de mudanças no câmbio. A política que vigorou até anteontem sob o comando de Gustavo Franco tornava-se insustentável.
O enfraquecimento de Franco coincidiria com a ascensão de Lopes. Suas idéias foram, gradativamente, se sobrepondo às de seu chefe.

Mar e cartas
FHC havia planejado um descanso de seis dias antes de colocar em prática o Plano Lopes e a troca de comando no Banco Central. Escolheu o cenário paradisíaco da praia do Saco (SE).
O descanso durou pouco. As férias do presidente resumiram-se a quatro horas, período em que ele nadou no mar, dirigiu um bugre e jogou cartas com o cientista político Leôncio Martins, seu amigo pessoal.
No início da noite, foi alcançado por telefone pelos ministros Malan e Clóvis Carvalho (Casa Civil). Entre 20h de anteontem e 2h da madrugada de ontem, o telefone não parou na casa da praia. Num desses telefonemas, FHC concordou que o "ajuste" na política cambial e a troca de presidente do BC ocorressem dentro de poucas horas.
O presidente deixou a praia às 8h15 de ontem, tentando acalmar o mercado. "Não há crise, está tudo calmo". O clima em Brasília, porém, era tenso. Ministros classificavam o momento de "muito grave".

Malan fica
Com a saída de Franco, a dúvida era se Malan também poderia deixar o governo. Mas a manobra para tentar salvar o real de um ataque especulativo fatal acabou dando fôlego à permanência do ministro, considerado tão enfraquecido quanto Franco diante dos solavancos por que passa o Plano Real.
Mesmo que queira deixar o cargo, Malan permanecerá no ministério por, pelo menos, mais um ano. É o prazo calculado no Planalto para a turbulência passar.
Em dupla, Malan e FHC comandaram um esforço para convencer o FMI (Fundo Monetário Internacional) e, principalmente, os investidores estrangeiros de que o governo sabia o que estava fazendo. O presidente chegou a falar com o diretor-gerente do Fundo, Michel Camdessus.
Internamente, o presidente acionava líderes políticos para garantir a vitória do governo na votação de medidas provisórias que aumentam a arrecadação de tributos.
O clima era tenso. Não era possível ter certeza sobre o resultado do ajuste na política cambial. O risco de o plano não dar certo e a saída de dólares esgotar as reservas internacionais era enorme.
Na melhor das hipóteses, o governo conseguiria estancar o clima de desconfiança generalizada com o rumo da política econômica e ainda ganharia espaço para a tão reclamada -por políticos e empresários- queda das taxas de juros.
No pior cenário, o real enfrentaria um novo ataque especulativo sem precedentes. O plano poderia virar pó. Mesmo os mais otimistas descreviam a situação como "grave".
No início da noite, com as primeiras vitórias no Congresso, o presidente comentou com auxiliares que estava mais aliviado. Assessores informaram que até aquele momento haviam deixado o país cerca de US$ 800 milhões, menos do que a fuga registrada no dia anterior. A expectativa do governo era que a saída de dólares ficasse em torno de US$ 1,1 bilhão.
(VALDO CRUZ, MARTA SALOMON, JOSIAS DE SOUZA, VIVALDO DE SOUSA, CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA e FERNANDO RODRIGUES)



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